Concessão da BR-364 em Rondônia: Debate revela insatisfação com pedágios e obras insuficientes
Audiência pública em Ji-Paraná expõe impactos no agronegócio e na população local, enquanto lideranças buscam soluções para modernizar rodovia essencial
A Comissão de Serviços de Infraestrutura (CI) do Senado realizou, nesta segunda-feira (19), uma audiência pública na Câmara Municipal de Ji-Paraná, Rondônia, para discutir a concessão da BR-364, no trecho de 686,7 quilômetros que conecta Porto Velho a Vilhena, na divisa com Mato Grosso.
O evento, solicitado pelos senadores Marcos Rogério (PL-RO) e Jaime Bagattoli (PL-RO), reuniu lideranças políticas, representantes do agronegócio, transportadores, sociedade civil e indígenas, que expressaram preocupações com os termos do contrato de concessão, leiloado em 27 de fevereiro de 2025. As críticas giram em torno do alto custo dos pedágios, da limitada duplicação da rodovia e do cronograma prolongado para as obras, que podem impactar a economia e a população pelos próximos 30 anos.
Contexto da concessão
A BR-364 é a principal artéria logística de Rondônia, essencial para o escoamento da produção agropecuária do estado e do oeste de Mato Grosso, conectando-se à hidrovia do Madeira e aos portos do Arco Norte. Com um investimento previsto de R$ 10,226 bilhões, o Consórcio 4UM/Opportunity, vencedor do leilão, assumirá a administração da rodovia por 30 anos.
O contrato inclui a duplicação de apenas 107,57 quilômetros (15% do trecho), sendo 15 quilômetros correspondentes ao Anel Viário de Ji-Paraná e 92 quilômetros entre Jaru e Presidente Médici. Além disso, estão previstas 190,59 quilômetros de faixas adicionais, 17,79 quilômetros de vias marginais e a instalação de sete praças de pedágio em Pimenta Bueno (duas), Presidente Médici, Ouro Preto do Oeste, Ariquemes, Cujubim e Candeias do Jamari.
Críticas ao contrato
Durante a audiência, os participantes destacaram que o contrato não atende às necessidades da região. O senador Marcos Rogério, presidente da CI, enfatizou que a rodovia é vital para o desenvolvimento socioeconômico de Rondônia, Mato Grosso, Acre e Goiás, mas criticou a equação custo-benefício do projeto. “Uma concessão com baixo volume de obras, pedágio caro e um cronograma onde as obras estruturantes têm previsão de início muito distante não é aceitável. Primeiro você paga o pedágio, para depois ver os investimentos”, declarou.
Jaime Bagattoli reforçou as críticas, chamando de “vergonhoso” o plano de duplicar apenas 107 quilômetros, com início no quarto ano da concessão, e construir 25 quilômetros de terceiras faixas a partir do terceiro ano. “Isso vai causar um peso grande para a sociedade”, afirmou.
O setor de transporte de cargas foi outro que manifestou insatisfação. Representantes da Associação Nacional de Transporte de Cargas (ANATC) e da Transmourão alertaram que as sete praças de pedágio, com tarifas estimadas em R$ 0,15 por quilômetro, podem elevar o custo do frete em até R$ 2 mil por viagem, impactando diretamente o preço de produtos como cimento e alimentos. Flávio Marcondes de Campos, da Transmourão, calculou que um saco de cimento terá acréscimo de R$ 2,40 devido aos pedágios.
A Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Ji-Paraná, representada por Elias Pereira, destacou que o aumento dos custos logísticos pode encarecer toda a cadeia de consumo, afetando supermercados e o bolso do cidadão. O prefeito de Ji-Paraná, Affonso Cândido, e o vereador André da Royal reforçaram a preocupação com o impacto nos bens de consumo, especialmente para a população de baixa renda.
Impactos no agronegócio e na segurança
A BR-364 é um corredor estratégico para o agronegócio, responsável pelo transporte de grãos como soja e milho. Em 2020, a região do Arco Norte, que inclui Rondônia, respondeu por 65,3% da produção nacional desses grãos, segundo a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). A falta de duplicação e os altos custos dos pedágios podem comprometer a competitividade do setor, aumentando os preços e reduzindo a viabilidade do transporte.
Além disso, a rodovia é conhecida por sua alta taxa de acidentes. Dados da Polícia Rodoviária Federal (PRF) apontam mais de 10 mil acidentes entre 2017 e abril de 2025, com 800 mortes e 11 mil sequelados. A deputada federal Cristiane Lopes (União-RO) classificou a BR-364 como “Rodovia da Morte” e pediu a antecipação das obras de duplicação e faixas adicionais em trechos críticos para salvar vidas.
Resposta da ANTT e propostas de solução
O diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Guilherme Sampaio, defendeu o projeto, destacando que os R$ 10,4 bilhões em investimentos gerarão cerca de 90 mil empregos e R$ 41 milhões anuais em tributos para os municípios. Ele assegurou que a cobrança de pedágio só começará após melhorias no pavimento, especialmente no Anel Viário de Ji-Paraná, e que o contrato prevê inovações como emissão carbono zero, três pontos de parada para caminhoneiros e 14 bases operacionais com ambulâncias e guinchos. Segundo Sampaio, as obras podem reduzir em 22% as mortes na rodovia.
Para atender às críticas, algumas antecipações no cronograma foram negociadas, como o acesso ao porto, que passou do sexto para o quarto ano. Sampaio também mencionou a criação de uma comissão tripartite, com representantes do governo, produtores e sociedade civil, para acompanhar a concessão.
Alternativas e diálogo
Diante das dificuldades para alterar o contrato, lideranças propuseram soluções. O ex-senador Acir Gurgacz sugeriu aportes federais via Ministério dos Transportes e emendas parlamentares para viabilizar a duplicação total dos 700 quilômetros. O senador Marcos Rogério defendeu um “contrato híbrido”, com maior participação do governo federal para reduzir os custos dos pedágios. A senadora Margareth Buzetti (PSD-MT) destacou a necessidade de diálogo para encontrar uma “equação” que beneficie Rondônia e Mato Grosso, estados interligados pela rodovia.
No entanto, o deputado Maurício Carvalho (União-RO) alertou que emendas parlamentares já destinadas à BR-364 foram usadas pelo DNIT para “operações tapa-buraco”, o que limita a viabilidade dessa alternativa.
Demandas da sociedade
A audiência também revelou a insatisfação com a falta de diálogo prévio. Wellington Gavião, representante das comunidades indígenas, criticou a ausência de consultas às etnias impactadas, exigindo projetos de indenização. A Associação Comercial e Industrial de Ji-Paraná, por meio de Liomar Carvalho, defendeu a proibição de cobrança de pedágio antes da conclusão das obras e sugeriu isenções para transportadores locais.
Os participantes propuseram a criação de um comitê regional para fiscalizar a concessão, com ampla participação da sociedade civil, e a realização de consultas públicas efetivas em todas as fases do contrato.
A audiência pública em Ji-Paraná evidenciou a complexidade da concessão da BR-364, que, embora promova investimentos, enfrenta resistência devido aos altos custos e à limitada extensão das obras.
A rodovia, essencial para o agronegócio e a integração regional, precisa de soluções que equilibrem modernização, segurança e acessibilidade. As propostas de contratos híbridos, antecipação de obras e maior diálogo com a sociedade sinalizam caminhos para mitigar os impactos, mas a efetividade dependerá da pressão popular e da articulação política.
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