Violência contra médicos cresce 68% no Brasil em dez anos
Profissionais de saúde enfrentam agressões diárias em hospitais e UPAs, com São Paulo, Paraná e Minas Gerais liderando os casos. Subnotificação preocupa autoridades
Um levantamento do Conselho Federal de Medicina (CFM) revelou um aumento alarmante de 68% nos casos de violência contra médicos no Brasil na última década. Em 2024, foram registrados 4.562 boletins de ocorrência, o maior número da série histórica, o que equivale a 12 profissionais agredidos por dia em unidades de saúde, como hospitais, prontos-socorros e Unidades de Pronto Atendimento (UPAs). Os dados, obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação junto às Polícias Civis de todo o país, expõem um cenário de insegurança para quem dedica a vida ao cuidado da população.
São Paulo lidera o ranking nacional, com 832 casos registrados em 2024, seguido pelo Paraná, com 767 ocorrências, e Minas Gerais, com 460. A maioria dos incidentes ocorre em prontos-socorros e UPAs, ambientes de alta pressão onde a superlotação e a falta de recursos frequentemente geram tensão. Quase metade das vítimas são mulheres, refletindo a crescente feminização da profissão médica no Brasil, onde as mulheres já representam 50,9% dos profissionais ativos, segundo a Demografia Médica 2025.
O CFM aponta que a subnotificação é um problema grave. Muitos médicos desistem de formalizar denúncias por medo de represálias, falta de confiança no sistema judicial ou exaustão emocional. “Quando o médico é agredido, ele sai da assistência. Isso prejudica ainda mais o atendimento. A violência, nesse caso, vira um círculo vicioso”, destaca Estevam Rivello, diretor do CFM. Profissionais relatam agressões verbais diárias, além de casos graves, como lesões corporais e ameaças.
Relatos de violência e suas causas
Histórias como a da médica geriatra Juliana Arlati, 48 anos, ilustram a gravidade do problema. Em São Paulo, ela foi agredida por um acompanhante que discordou de seu diagnóstico e jogou uma receita amassada em seu rosto. “Fiquei assustada. Não sabia o que ele poderia fazer depois. Me senti completamente indefesa”, relatou ao G1. Já a médica Júlia Alves (nome fictício), de um pronto-socorro infantil em Guarapari, Espírito Santo, conta que levou um soco no rosto de uma mãe que exigia atendimento imediato. “As agressões verbais são diárias e normalizadas”, desabafou.
Enfermeiros também sofrem. Um levantamento do Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo (Coren-SP) revelou que 80% dos profissionais de enfermagem no estado já foram vítimas de violência no trabalho. No Distrito Federal, o índice chega a 82,7%. A técnica de enfermagem Karina Valverde, de 45 anos, agredida por uma acompanhante em um hospital na zona oeste de São Paulo, resume o impacto: “Meu marido falou: um dia eu vou buscar o seu corpo no seu trabalho”.
O CFM atribui o aumento da violência à sobrecarga do sistema de saúde, com longas filas, escassez de insumos e falhas estruturais que frustram pacientes e familiares. “Os profissionais são vistos como responsáveis por problemas que fogem ao seu controle”, explica José Hiran Gallo, presidente do CFM. A ausência de segurança adequada nas unidades de saúde agrava o cenário, com seguranças patrimoniais, que não têm treinamento para lidar com conflitos, sendo a única proteção em muitos locais.
Medidas em andamento
Diante do aumento dos casos, o CFM defende ações urgentes. A entidade apoia o Projeto de Lei 6.749/16, aprovado na Câmara em maio de 2025 e em análise no Senado, que prevê penas mais duras para agressões contra profissionais de saúde no exercício da função. Além disso, o conselho articula a criação de delegacias especializadas para atender esses casos e prepara uma resolução para obrigar unidades de saúde a notificar a polícia sobre episódios de violência.
No Paraná, o segundo estado com mais registros, o Sindicato dos Médicos (Simepar) reivindica a presença constante de profissionais de segurança em UPAs e unidades de saúde. O Conselho Regional de Medicina do Paraná (CRM-PR) criou uma Comissão de Prevenção à Violência Contra Médicos em 2024, que recebe denúncias por e-mail e telefone, garantindo sigilo aos denunciantes.
Impactos no sistema de saúde
A violência não afeta apenas os profissionais, mas também a qualidade do atendimento. O medo e a insegurança levam à evasão de médicos e enfermeiros de áreas críticas, como emergências, intensificando a sobrecarga do sistema. “A violência compromete a assistência. Precisamos de uma cultura de tolerância zero a esses episódios”, afirma Raul Canal, presidente da Sociedade Brasileira de Direito Médico e Bioética.
A situação também reflete desigualdades regionais. Enquanto São Paulo, Paraná e Minas Gerais concentram os maiores números absolutos de casos, estados como Amapá (37,8 casos por mil médicos) e Roraima (26,4) lideram em taxas proporcionais, indicando maior vulnerabilidade em regiões com menos infraestrutura.
Um chamado à ação
O aumento de 68% nas agressões a médicos em dez anos é um alerta para a sociedade e as autoridades. Campanhas de conscientização, melhoria da infraestrutura do SUS e maior proteção aos profissionais são passos essenciais para reverter esse quadro. “A população precisa entender que o médico não é o culpado pela má gestão”, reforça Rivello. Enquanto medidas não forem implementadas, profissionais como Juliana, Júlia e Karina continuarão enfrentando o risco diário de violência no exercício de suas funções.
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