Urnas funerárias milenares encontradas sob árvore que caiu revelam segredos de civilização perdida no coração da Amazônia
Descoberta arqueológica em Fonte Boa expõe práticas funerárias e engenharia sofisticada de povos indígenas que habitaram o Médio Amazonas
Em maio de 2025, a queda de uma árvore na cidade de Fonte Boa, no Amazonas, revelou um tesouro arqueológico que está ajudando a reescrever a história dos povos indígenas do Médio Amazonas. Sete urnas funerárias de cerâmica, contendo fragmentos de ossos humanos, peixes e quelônios, foram descobertas enterradas a 40 centímetros de profundidade em uma ilha artificial, construída há séculos ou milênios por comunidades indígenas. A descoberta, feita por arqueólogos do Instituto Mamirauá em parceria com moradores da comunidade São Lázaro do Arumandubinha, destaca a sofisticação cultural e técnica dos povos que habitaram as várzeas amazônicas, desafiando a ideia de que essas áreas eram apenas locais de passagem.
O achado ocorreu no sítio arqueológico conhecido como Lago do Cochila, parte de um conjunto de ilhas artificiais erguidas com terra e fragmentos cerâmicos para sustentar moradias e atividades sociais durante as cheias sazonais dos rios amazônicos. Segundo o arqueólogo Márcio Amaral, do Instituto Mamirauá, essas estruturas são exemplos de “uma técnica de engenharia indígena muito sofisticada”, que demonstra um profundo conhecimento do meio ambiente e uma ocupação contínua e planejada das várzeas. “Essas ilhas eram levantadas em áreas mais altas, com material retirado de outros locais e misturado com cerâmicas, posicionadas intencionalmente para dar sustentação”, explica Amaral.
As urnas, algumas de grande volume e com até 90 centímetros de diâmetro, apresentavam características únicas, como a ausência de tampas cerâmicas visíveis, sugerindo o uso de materiais orgânicos, como madeira ou fibras, que se decompuseram com o tempo. A pesquisadora Geórgea Layla Holanda, que lidera os estudos, destacou que as urnas estavam provavelmente sob antigas casas, indicando uma prática de sepultamento doméstico. “Encontramos fragmentos de ossos humanos, peixes e quelônios, o que sugere que os rituais funerários estavam associados a práticas alimentares, uma característica comum em tradições indígenas da Amazônia”, afirmou Holanda.
A cerâmica das urnas também surpreendeu os pesquisadores. Feitas com argila esverdeada rara e decoradas com faixas vermelhas e engobes (uma pasta de argila aplicada para alterar a cor externa), as peças não apresentam, até o momento, conexão direta com tradições cerâmicas conhecidas, como a Tradição Polícroma da Amazônia, famosa por suas pinturas vermelhas e pretas. “Essas características podem indicar uma tradição milenar ainda não documentada, o que torna a descoberta ainda mais significativa”, disse Holanda. As análises preliminares estão sendo realizadas no laboratório do Instituto Mamirauá, em Tefé, para determinar a idade exata e o contexto cultural das urnas
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A descoberta só foi possível graças à colaboração com a comunidade local. Tudo começou quando o manejador de pirarucu Walfredo Cerqueira recebeu fotos dos potes de cerâmica expostos pelas raízes de uma árvore tombada. Reconhecendo a importância do achado, ele procurou o padre Joaquim Silva, da Pastoral Carcerária de Tefé, que contatou Márcio Amaral. “Quando vi as fotos, sabia que era algo especial. Foi o ponto de partida para a expedição”, relatou Cerqueira. A comunidade São Lázaro do Arumandubinha desempenhou um papel central em todas as etapas, desde a construção de uma plataforma elevada de madeira e cipós, a 3,20 metros do solo, para facilitar a escavação em terreno alagadiço, até o transporte das urnas por rios e igarapés até Tefé, um trajeto fluvial de 10 a 12 horas.
O transporte das urnas exigiu uma logística meticulosa. “Usamos filme plástico, atadura gessada, plástico bolha e suportes de madeira com cordas. Não foi sorte que chegaram intactas, foi método”, enfatizou Geórgea Holanda. A participação comunitária foi além da logística: moradores como Nádia Silva, esposa de Walfredo, cuidaram da alimentação da equipe durante os acampamentos, enquanto outros compartilharam conhecimentos tradicionais que enriqueceram a pesquisa. “Foi uma experiência incrível. No começo, fiquei apreensiva, mas o respeito dos pesquisadores me surpreendeu”, contou Nádia.
A arqueóloga Geórgea Layla classificou o achado como “uma das mais significativas da arqueologia amazônica nos últimos anos”. Para Márcio Amaral, o trabalho reflete uma “arqueologia de dentro para fora”, marcada pela troca de saberes entre cientistas e comunitários. “Participamos do manejo do pirarucu, acampamos juntos, seguimos o ritmo deles. Aprendemos muito com os saberes tradicionais”, destacou. Essa abordagem colaborativa, que valoriza as comunidades ribeirinhas como guardiãs do patrimônio cultural, tem sido elogiada como um modelo inovador para a arqueologia na Amazônia.
A descoberta reforça a tese de que as várzeas amazônicas eram ocupadas de forma contínua e altamente adaptada, desafiando visões antigas de que eram áreas de ocupação esporádica. “Essas ilhas artificiais mostram um manejo sofisticado do território e uma densidade populacional expressiva no passado”, afirmou Amaral. Além disso, os achados ampliam o entendimento sobre a complexidade cultural dos povos ancestrais, revelando práticas rituais que uniam morte, alimentação e espiritualidade.
O Instituto Mamirauá, vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, é o único centro de pesquisa arqueológica fora de Manaus autorizado pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) a atuar na região. Desde 2001, atende demandas de comunidades que encontram vestígios arqueológicos, como urnas funerárias, em suas terras. Com mais de 300 sítios arqueológicos identificados no Médio Solimões, mas poucos escavados, a região promete novas revelações sobre a história indígena da Amazônia.
A notícia da descoberta ganhou destaque em jornais e redes sociais. No X, publicações de veículos como G1, Correio Braziliense e Metrópoles enfatizaram a importância do achado e a colaboração com a comunidade local. “Queda de árvore revela urnas funerárias milenares no Amazonas”, publicou o @g1amazonas, enquanto o @florestalbrasil destacou a presença de ossos humanos e restos de animais nas urnas. A repercussão reflete o interesse crescente pelo patrimônio arqueológico amazônico e pela valorização das culturas indígenas.
Enquanto as urnas passam por análises detalhadas, a comunidade São Lázaro do Arumandubinha celebra sua contribuição para a ciência. “Encontrar essas urnas despertou nossa curiosidade sobre quem eram esses povos e o que faziam aqui”, disse Késia Silva, moradora da comunidade. Para os pesquisadores, o achado é um convite a repensar a história da Amazônia, reconhecendo os povos indígenas como protagonistas de uma civilização complexa e resiliente.
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