Taurus pagará R$ 60 mil a voluntários que resgataram armas em vez de crianças no Aeroporto de Porto Alegre
Em meio ao caos das enchentes de 2024, voluntários mobilizados para salvar vidas descobriram uma missão sigilosa de resgate de arsenal – e agora buscam justiça por danos morais

A tragédia das enchentes que devastou o Rio Grande do Sul em maio de 2024 ainda ecoa em processos judiciais que revelam não apenas a dimensão humanitária da calamidade, mas também controvérsias éticas envolvendo empresas privadas. Em uma decisão proferida pela 6ª Vara Federal de Porto Alegre, a fabricante de armas Taurus Armas S.A. foi condenada em primeira instância a pagar indenização por danos morais no valor de R$ 10 mil para cada um dos seis voluntários que participaram de uma operação de resgate no Aeroporto Internacional Salgado Filho. O total chega a R$ 60 mil, corrigidos pela inflação, mais honorários advocatícios, conforme sentença assinada pelo juiz federal Rodrigo Machado Coutinho.
A operação, ocorrida em 9 de maio de 2024, foi desencadeada pela Polícia Federal (PF) para remover um estoque estimado em cerca de 3 mil armas de fogo – fuzis e pistolas – que estava ilhado no terminal de cargas do aeroporto devido às inundações históricas. O contexto era de calamidade pública: as cheias afetaram mais de 400 municípios gaúchos, causaram 189 mortes confirmadas e deixaram dezenas de desaparecidos, paralisando infraestruturas essenciais como o Aeroporto Salgado Filho. A PF, preocupada com o risco de saque por facções criminosas, determinou a retirada imediata da carga, sob escolta armada e coordenação federal. A União, ré no processo, foi absolvida por atuar corretamente na garantia de segurança, em um cenário de “desastre humanitário e econômico sem precedentes”, como descreveu o juiz Coutinho em sua decisão.
Os autores da ação – cinco homens e uma mulher, vindos de Capão da Canoa (RS) – alegaram terem sido induzidos em erro por mensagens em um grupo de WhatsApp na noite de 8 de maio. Os áudios, enviados por uma funcionária da Taurus identificada como Vivian Rodrigues Pinto, descreviam uma “missão urgente e sigilosa” para resgatar crianças ilhadas, priorizando o salvamento de vidas em uma das áreas mais críticas da enchente. “Era uma das prioridades do Estado”, afirmava a mensagem, que mobilizou o grupo a partir com caminhão guincho, dois barcos e veículos particulares, custeando despesas próprias.
Ao chegarem ao ponto de encontro em Canoas, no dia seguinte, a realidade se impôs: a operação visava retirar o arsenal da Taurus, avaliado em milhões de reais, sob ameaça de roubo por grupos criminosos. Uma funcionária da empresa justificou o sigilo como medida para evitar que facções soubessem da carga. Em audiência, um dos voluntários, Nicolas Vedovatto, relatou o momento da revelação: “Foi quando eles apresentaram as armas pra gente, não ostensivamente, mas estavam portando armas, e falaram pra gente assim, ó: ‘ou vocês vão com a gente, ou vocês vão ficar aqui sob observação até o final da operação, porque agora vocês já sabem do que se trata’”. Os autores alegaram coação, exposição a riscos como águas contaminadas, barcos improvisados e ausência de Equipamentos de Proteção Individual (EPI), além de receio de confrontos armados.
O juiz Coutinho reconheceu violação da boa-fé objetiva no contato inicial, quando os voluntários se deslocaram sob “falso pretexto”, limitando-se a uma “quebra de expectativa legítima”. No entanto, afastou a coação na fase executiva, citando contradições como postagens em redes sociais dos autores após o evento, interpretadas como voluntárias. Um voluntário explicou em juízo: “Eu quis dar como se fosse uma satisfação pras pessoas que pra quem eu fui pedir ajuda, né? Pra salvar as crianças que de fato eu estava lá”. Vedovatto, um dos autores, declarou ao UOL que a indenização será doada e que o objetivo era “expor o absurdo”, não buscar valores financeiros.
Os voluntários foram condenados a pagar R$ 6 mil em honorários à União, divididos igualmente, mas a cobrança está suspensa por gratuidade de justiça.
A Taurus, em nota oficial, anunciou recurso e negou irregularidades. “A sentença reconheceu que, ao contrário do alegado pelos autores da ação, não houve qualquer coação por parte da empresa. Os autores participaram voluntariamente da operação, utilizaram seus celulares, mantiveram contatos amistosos com colaboradores e demais presentes, inclusive após o evento”, afirma o posicionamento completo da assessoria. A empresa destacou o contexto de calamidade, com segurança coordenada pela PF e escolta armada contratada, e negou ingerência na convocação ou em mensagens sobre “resgate de crianças”. “A Taurus também demonstrou que não determinou, autorizou ou controlou a convocação dos autores nem teve qualquer ingerência sobre eventuais mensagens trocadas em grupos de aplicativo. A empresa não criou, divulgou ou autorizou a divulgação de qualquer história falsa sobre a operação”. A fabricante planeja medidas contra “informações difamatórias” na mídia e confia na reversão em instâncias superiores.
Contrapondo, o advogado Juliano Dias da Silva, da OAB/RS 78.869 e sócio do escritório Dias e Siqueira Advogados Associados, representa Vivian Rodrigues Pinto e Diego Derzet Rosa, ex-funcionários da Taurus acionados subitamente para a operação. Em posicionamento ao G1, ele critica a sentença por minimizar a responsabilidade da empresa: “Ambos os ex-empregados foram subitamente acionados pela chefia da Taurus e colocados, sem qualquer preparo técnico ou respaldo institucional, na linha de frente de uma operação de retirada de cerca de 3.000 armas de fogo [...] A empresa impôs a eles tarefas completamente alheias às suas funções: recrutar civis, organizar pontos de encontro, transmitir sigilo, justificar urgência e, sobretudo, não revelar previamente a verdadeira natureza da carga”. Dias da Silva sustenta que o “script” de resgate de crianças foi ordenado pela Taurus para evitar resistência, e que os empregados foram instrumentalizados como “fachada operacional”, expostos a riscos sem protocolos. “A realidade dos fatos demonstra que Vivian e Diego não foram autores da operação, nem mentores, nem coordenadores, foram vítimas de uma cadeia hierárquica que buscou proteger um patrimônio milionário, transferindo a terceiros o risco humano, moral e jurídico da missão”.
O caso ganhou repercussão imediata nas redes sociais, com postagens no X (antigo Twitter) criticando a Taurus por priorizar patrimônio sobre vidas durante a enchente. Usuários como @Cecillia, jornalista do The Intercept Brasil, relataram: “Lembram das chuvas no RS? > 6 voluntários pedem indenização de mais de 1 milhão da Taurus por danos morais. Eles dizem que foram chamados para resgatar crianças, mas foram ‘enganados, coagidos e constrangidos’ para ‘resgatar’ 3000 armas no aeroporto.” O líder do MST, João Pedro Stedile (@stedile_mst), chamou a empresa de “fascista” por financiar o bolsonarismo e mentir sobre o resgate. Outros, como @OrestesInforma, detalharam a coação e a falta de proteção, com mais de 11 mil curtidas em maio de 2024. A decisão judicial, divulgada em 3 de dezembro de 2025, reacendeu o debate, com veículos como G1, CNN Brasil e UOL destacando a tensão entre segurança pública e ética corporativa.
Essa condenação parcial reflete os desafios de operações em contextos de desastre: a PF atuou para mitigar riscos reais, como tentativas de saque reportadas na época, mas a indução inicial expôs vulnerabilidades na comunicação privada. Com recurso previsto, o caso pode escalar ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), onde os voluntários inicialmente pediram R$ 1,2 milhão (150 salários mínimos cada). Especialistas em direito civil consultados por portais como GZH enfatizam que a boa-fé objetiva é pilar do Código Civil, e violações como essa podem configurar dano moral presumido em situações de urgência humanitária.
*A Taurus encaminhou nota à PAINEL POLÍTICO sobre a decisão. Confira abaixo na íntegra:
Sobre a matéria “Taurus é condenada após pessoas resgatarem armas em vez de crianças no RS”, veiculada no dia 03.12.2025 no UOL Notícias, em que se noticiou a sentença proferida pela Justiça Federal de Porto Alegre/RS, são necessários alguns esclarecimentos.
A sentença reconheceu que, ao contrário do alegado pelos autores da ação, não houve qualquer coação por parte da empresa. Os autores participaram voluntariamente da operação, utilizaram seus celulares, mantiveram contatos amistosos com colaboradores e demais presentes, inclusive após o evento.
O Juízo foi claro ao destacar que os autores se deslocaram por decisão própria, em veículos particulares, registraram imagens com seus celulares e mantiveram conversas em tom cordial com os demais participantes.
Também foi afastada a alegação de que os autores teriam sido expostos a risco anormal. A sentença registrou que a operação ocorreu em contexto de calamidade pública, com forte esquema de segurança coordenado pela Polícia Federal, além de escolta armada contratada pela própria Taurus para o transporte terrestre do material, sem qualquer risco indevido aos participantes.
Quanto à exposição dos autores na mídia, a sentença observou que a cobertura jornalística e a repercussão subsequente nas redes sociais não decorreram de atos da Taurus. Ao contrário, reconheceu-se a participação ativa dos autores na gravação e divulgação das imagens, razão pela qual não se atribuiu à empresa qualquer responsabilidade pela veiculação de suas imagens.
A Taurus também demonstrou que não determinou, autorizou ou controlou a convocação dos autores nem teve qualquer ingerência sobre eventuais mensagens trocadas em grupos de aplicativo. A empresa não criou, divulgou ou autorizou a divulgação de qualquer história falsa sobre a operação.
A Taurus tomará as medidas cabíveis decorrentes de informações difamatórias e inverídicas divulgadas na mídia a respeito da operação.
A empresa também recorrerá da sentença em relação ao ponto em que foi condenada. A empresa está confiante de que as instâncias superiores reconhecerão a inexistência de qualquer responsabilidade que lhe possa ser imputada.
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*Atualizada às 11h39min para inclusão da nota da Taurus


