STJ demite servidor em meio a apurações de venda de decisões: Entre minutas controversas e “jurisprudência” inventada
Relatório interno do tribunal aponta inconsistências, contradições e possível direcionamento para beneficiar deputado — servidor nega irregularidades e sustenta atuação técnica
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) demitiu o servidor Márcio José Toledo Pinto, ex-assessor da ministra Nancy Andrighi, após uma sindicância interna que apontou irregularidades graves na elaboração de minutas de decisões judiciais. A investigação, que ganhou detalhes exclusivos revelados pelo Estadão, expõe um suposto esquema de venda de sentenças envolvendo lobistas e advogados, com o servidor sendo o primeiro a ser punido administrativamente no âmbito do tribunal.
A Polícia Federal (PF) também apura o caso, com indícios de que Toledo teria recebido R$ 4 milhões em propina de um lobista em troca de favorecimentos.
A sindicância analisou em profundidade um processo sob relatoria da ministra Nancy Andrighi, no qual o deputado distrital Wellington Luiz (MDB-DF), atual presidente da Câmara Legislativa do Distrito Federal, buscava a posse de um terreno por usucapião contra a empresa estatal Terracap, do governo do Distrito Federal (GDF). O recurso havia sido negado em instâncias anteriores, incluindo o Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF) e a presidência do STJ, mas, ao ser distribuído para a relatoria de Nancy Andrighi, Toledo, como assessor, elaborou uma minuta favorável ao parlamentar, alterando o entendimento inicial.
O caso veio à tona após o advogado Rodrigo Alencastro registrar um boletim de ocorrência na Polícia Civil do DF, relatando que sua ex-mulher, a advogada Caroline Azeredo, teria tentado vender a decisão favorável no processo. Em depoimento à sindicância, Wellington Luiz confirmou ter recebido uma ligação de uma intermediária de Caroline oferecendo “serviços” para garantir sua vitória, mas alegou ter recusado a proposta. A minuta elaborada por Toledo foi aprovada e assinada pela ministra antes das suspeitas serem conhecidas, mas, após as denúncias, Nancy Andrighi anulou todas as decisões monocráticas no processo e o remeteu para julgamento colegiado na Terceira Turma do STJ, que, por unanimidade, favoreceu a Terracap.
O relatório da comissão de sindicância destacou contradições gritantes na minuta de Toledo. “Uma leitura atenta da decisão monocrática evidencia uma contradição interna notável: o texto apresenta premissas que se anulam mutuamente para justificar o deferimento do pedido do Sr. Wellington Luiz”, afirma o documento, reproduzindo trechos que, de um lado, reconhecem o uso público do imóvel (o que impede usucapião) e, de outro, ignoram essa premissa para conceder a posse. A comissão concluiu haver “direcionamento intencional” dos argumentos para beneficiar o deputado.
Além disso, Toledo citou jurisprudência do STJ para respaldar sua tese, mas a análise revelou que os acórdãos mencionados não se aplicavam ao caso. “Uma leitura atenta das teses constantes desses acórdãos evidencia que tais precedentes não respaldam a solução adotada. Neles, o entendimento consolidado é que bens de sociedade de economia mista ou empresas públicas podem, em tese, ser objeto de usucapião desde que não estejam afetados à prestação de serviço público”, pontua o relatório, enfatizando que a afetação pública do terreno estava comprovada pelas instâncias inferiores.
Outros assessores do gabinete de Nancy Andrighi depuseram à sindicância, afirmando que a decisão fugia do padrão do ministério. Segundo eles, a relatora costuma reservar decisões monocráticas para casos com jurisprudência consolidada, remetendo os demais para colegiado. “Dessa análise, resulta evidente que houve distorção consciente do quadro fático e jurídico, de modo a criar um fundamento artificial para beneficiar o Sr. Wellington Luiz. Não por acaso, essa foi a única decisão favorável a ele em todo o histórico processual — decisão esta que se revela marcada por inconsistências internas”, conclui o relatório, apontando para um “ato consciente e doloso” em sintonia com a intermediação ilícita relatada.
Em nota oficial, a ministra Nancy Andrighi esclareceu: “O gabinete da Ministra Nancy Andrighi registra que Márcio Toledo Pinto foi servidor concursado do STJ por 21 anos, lotado neste gabinete por pouco mais de 1 ano e, assim que os supostos fatos delitivos foram noticiados, o funcionário foi sumariamente dispensado do Gabinete. Consigna, ainda, que as minutas feitas pelo ex-servidor, no processo indicado na reportagem, foram tornadas sem efeito por esta Relatora, tendo o recurso sido julgado, de forma unânime, pelo colegiado da Terceira Turma do STJ, em pauta presencial. Frisa que os processos de responsabilização se encontram em andamento, a fim de que os fatos sejam devidamente esclarecidos e os responsáveis punidos de forma exemplar”.
Relatos adicionais indicam que Toledo pediu desculpas à ministra por email, ao que ela respondeu: “Passei vergonha”, destacando o impacto da suspeita em sua reputação. A defesa de Márcio Toledo Pinto rebateu as acusações no Processo Administrativo Disciplinar (PAD), argumentando ausência de provas de vazamento de minutas ou favorecimento indevido. Segundo os advogados, a decisão inicial baseou-se em precedentes das 3ª e 4ª Turmas do STJ sobre usucapião extraordinário em casos similares, e Toledo teria reavaliado espontaneamente a minuta após memoriais do GDF, retratando-se com nova fundamentação. “A atuação do servidor, portanto, deu-se nos exatos limites de sua competência técnica, em respeito e com total ciência de Sua Excelência a ministra relatora, que assinou as decisões após recebê-las e aprová-las formalmente”, sustentou a defesa.
A demissão de Toledo ocorreu no último mês, em 5 de setembro de 2025, conforme determinação do presidente do STJ, ministro Herman Benjamin, que enfatizou a necessidade de punição exemplar para preservar a integridade do Judiciário. O caso faz parte de uma investigação mais ampla da PF, conhecida como Operação Abside, que mira supostos esquemas de corrupção no tribunal. Nas redes sociais, o tema gerou repercussão, com posts no Instagram e X destacando a fraude na decisão para favorecer Wellington Luiz e questionando a lisura do sistema judiciário.
Essa sindicância reforça a importância de mecanismos internos de controle no Judiciário, mas também expõe vulnerabilidades que podem comprometer a confiança pública nas instituições. O STJ segue apurando outros processos sob suspeita, prometendo transparência total.
Este escândalo oferece uma oportunidade para o sistema de Justiça brasileiro reafirmar seu compromisso com a integridade e a transparência. A mera demissão de um servidor, embora necessária, não encerra a investigação — nem garante que práticas similares não prosperem em outros gabinetes.
Se o Estado pretende reforçar sua legitimidade, é fundamental que os procedimentos disciplinares e criminais caminhem em paralelo, com plena divulgação ao público e acompanhamento da sociedade. Só assim será possível restaurar a confiança em decisões judiciais que são, afinal, pilares do Estado Democrático de Direito.
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