STF valida retomada extrajudicial de bens por inadimplência: Marco Legal das Garantias em foco
Decisão histórica do Supremo Tribunal Federal reforça segurança jurídica para credores, mas levanta debate sobre direitos dos devedores. Entenda os impactos da Lei 14.711/2023 e suas polêmicas
O Supremo Tribunal Federal (STF) validou, por maioria de votos, dispositivos do Marco Legal das Garantias (Lei 14.711/2023) que permitem a retomada extrajudicial de bens móveis e imóveis em casos de não pagamento de dívidas contratuais, sem a necessidade de intervenção do Poder Judiciário.
A decisão, tomada em sessão virtual do Plenário concluída em 30 de junho de 2025, julgou as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 7600, 7601 e 7608, movidas por entidades representativas de oficiais de justiça e magistrados, como a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e a União dos Oficiais de Justiça do Brasil (UniOficiais).
A medida, que facilita a recuperação de bens por credores, como bancos e instituições financeiras, tem gerado intensos debates sobre o equilíbrio entre eficiência econômica e proteção aos direitos fundamentais dos devedores.
O que é o Marco Legal das Garantias?
Sancionada em outubro de 2023, a Lei 14.711/2023, conhecida como Marco Legal das Garantias, busca modernizar e agilizar os processos de execução de garantias em contratos de crédito, reduzindo custos e desafogando o Judiciário. A norma alterou dispositivos do Decreto-Lei 911/1969, permitindo que instituições financeiras retomem bens móveis, como veículos, e executem garantias imobiliárias, como hipotecas, por meio de procedimentos administrativos realizados em cartórios.
A lei também autoriza a contratação de empresas especializadas para localizar bens, desde que respeitados limites constitucionais. Nos contratos com alienação fiduciária, o devedor mantém a posse direta do bem enquanto paga o financiamento, mas o credor detém a propriedade e a posse indireta. Em caso de inadimplência, o credor pode retomar o bem sem recorrer a uma ação judicial, desde que o contrato preveja essa possibilidade. A decisão do STF reforça a constitucionalidade desses procedimentos, destacando que a desjudicialização não elimina o acesso ao Judiciário em casos de controvérsia.
A decisão do STF e os argumentos do relator
O julgamento foi conduzido pelo ministro Dias Toffoli, cujo voto prevaleceu por 10 a 1. Toffoli defendeu que os procedimentos extrajudiciais são constitucionais, desde que realizados por agentes imparciais, como os cartórios, que possuem fé pública e estão sujeitos a controle judicial. Segundo o relator, a Lei 14.711/2023 garante a notificação prévia do devedor, oferecendo-lhe a oportunidade de quitar a dívida ou contestar a cobrança. Ele também destacou que a busca e apreensão de bens móveis, como veículos, deve respeitar direitos fundamentais, como a inviolabilidade do domicílio, a privacidade e a dignidade da pessoa humana.
Atos de perseguição, uso de força ou acesso a dados privados sem autorização foram expressamente vedados. Toffoli validou três dos quatro mecanismos previstos na lei: a consolidação extrajudicial da propriedade em contratos de alienação fiduciária de bens móveis, a execução extrajudicial de créditos garantidos por hipoteca e a execução de garantias imobiliárias em concurso de credores. A única ressalva veio do ministro Flávio Dino, que discordou da execução extrajudicial de veículos por meio dos departamentos estaduais de trânsito (Detran), argumentando que esses órgãos não são fiscalizados diretamente pelo Judiciário e, portanto, não oferecem as mesmas garantias de imparcialidade dos cartórios.
A ministra Cármen Lúcia, por outro lado, foi a única a votar pela inconstitucionalidade total dos dispositivos questionados. Para ela, a execução extrajudicial viola o devido processo legal, o direito à propriedade e a inviolabilidade da privacidade, previstos no artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal. Cármen Lúcia citou precedentes do STF, como a ADI 1.668, que considerou inconstitucional a busca e apreensão de bens pela Anatel sem ordem judicial, reforçando a necessidade de supervisão do Judiciário para medidas que afetem a posse ou a propriedade.
Repercussão e críticas
A decisão do STF foi recebida com entusiasmo por setores financeiros, que veem no Marco Legal das Garantias uma ferramenta para reduzir custos e aumentar a segurança jurídica no mercado de crédito. Segundo o ministro Luís Roberto Barroso, a desjudicialização diminui a sobrecarga do Judiciário e pode baratear o acesso ao crédito, beneficiando a economia. No entanto, entidades como a AMB e a UniOficiais argumentam que a retirada do Judiciário do processo inicial de retomada de bens compromete garantias constitucionais, como o devido processo legal e a ampla defesa. Para essas entidades, a busca e apreensão extrajudicial, especialmente quando realizada por empresas privadas, pode violar a privacidade e a dignidade do devedor. Em redes sociais, a decisão gerou reações polarizadas. Alguns usuários celebraram a medida como uma “vitória da democracia” por facilitar a recuperação de crédito, enquanto outros criticaram a possibilidade de bancos tomarem bens sem supervisão judicial, apontando riscos para os consumidores.
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), embora não diretamente envolvida nas ADIs, tem defendido a importância de equilibrar a eficiência econômica com a proteção aos direitos fundamentais, como visto em sua atuação em casos relacionados ao juiz das garantias.
Impactos para consumidores e credores
A validação do STF fortalece a execução extrajudicial de garantias, o que pode acelerar a retomada de bens como veículos e imóveis em casos de inadimplência. Para os consumidores, isso significa a necessidade de maior atenção na assinatura de contratos com cláusulas de alienação fiduciária, já que a perda de bens pode ocorrer de forma mais rápida.
No entanto, a decisão do STF reforça que os devedores podem recorrer ao Judiciário caso considerem a cobrança ou a apreensão indevidas, garantindo o direito de contestação. Para os credores, a medida é um avanço na redução da burocracia e dos custos associados a processos judiciais.
A possibilidade de realizar leilões extrajudiciais e alienar bens diretamente também foi validada, desde que respeitados os limites constitucionais. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) já regulamentou os procedimentos em cartórios, estabelecendo normas para a consolidação da propriedade e a busca e apreensão extrajudiciais, reforçando a necessidade de imparcialidade e transparência.
Contexto e antecedentes
O Marco Legal das Garantias não é a primeira norma a tratar da execução extrajudicial. Em 2023, o STF já havia validado a constitucionalidade da Lei 9.514/1997, que permite a retomada de imóveis financiados sem decisão judicial em casos de inadimplência, desde que respeitados os princípios constitucionais. A decisão de 2025 consolida essa tendência de desjudicialização, alinhando-se a precedentes como os temas 249 (execução hipotecária) e 982 (alienação fiduciária de imóveis).
Apesar disso, o veto presidencial ao artigo 6º da Lei 14.711/2023, derrubado pelo Congresso, já indicava tensões sobre o tema. O governo argumentou que a norma poderia relativizar direitos individuais, mas a pressão do setor financeiro prevaleceu. A decisão do STF agora pacifica a questão, mas o debate sobre o equilíbrio entre agilidade e proteção ao consumidor deve continuar.
A decisão do STF sobre o Marco Legal das Garantias marca um passo significativo na modernização do sistema de crédito no Brasil, mas também reacende discussões sobre os limites da desjudicialização. Enquanto credores ganham agilidade, os consumidores precisam estar atentos aos contratos e aos seus direitos de recorrer à Justiça. O desafio será garantir que a eficiência econômica não comprometa as garantias constitucionais, como a dignidade e o devido processo legal.
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