Secretário-adunto de meio ambiente de Rondônia é ligado a esquema em reserva extrativista
Caso envolvendo Gilmar Oliveira de Souza pode ser uma das maiores grilagens em unidades de conservação da Amazônia
Um caso de proporções alarmantes veio à tona em Rondônia, envolvendo o secretário-adjunto de Desenvolvimento Ambiental do estado, Gilmar Oliveira de Souza, em um esquema que pode configurar uma das maiores grilagens de terras dentro de uma unidade de conservação na Amazônia.
Segundo investigação publicada pela InfoAmazonia, Souza está ligado à venda de um imóvel de 47 mil hectares dentro da Reserva Extrativista (Resex) Rio Cautário para sua esposa, Jacqueline Moreno, além de estar relacionado a outra fazenda de 45 mil hectares na mesma área protegida. As denúncias apontam fraudes em escrituras públicas, identificadas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e pela Procuradoria-Geral do Estado (PGE), que podem ter forjado a existência de propriedades privadas anteriores à criação da Resex, em 1995.
Origem do caso: fazendas dentro de uma área protegida
A Resex Rio Cautário, localizada nos municípios de Costa Marques e Guajará-Mirim, é uma unidade de conservação de uso sustentável, criada para proteger o modo de vida de 96 famílias extrativistas que vivem na região há mais de um século. A área, de domínio público federal e cedida ao estado de Rondônia, é destinada ao uso coletivo dessas comunidades, que dependem da floresta para atividades como a extração de seringa, castanha e açaí. No entanto, duas fazendas registradas dentro da reserva – Fazenda Lago Brasil e Fazenda Seringal Rio Cautário – somam 92 mil hectares, equivalente a 60% da área total da Resex, ameaçando a integridade da unidade e os direitos das populações tradicionais.
As investigações revelam que os imóveis têm origem em uma escritura de 1907, concedida ao seringalista Balbino Antunes Maciel, para terras localizadas a mais de 70 quilômetros da Resex. Em 2016, um processo de georreferenciamento teria fraudado as coordenadas dessas propriedades, transferindo-as artificialmente para dentro da unidade de conservação. O Incra apontou que a escritura original foi desmembrada em vários registros, quadruplicando a área em cartórios, em uma prática conhecida como “segundo andar” registral, usada para legitimar grilagem.
Envolvimento de Gilmar Oliveira de Souza
Gilmar Oliveira de Souza aparece em dois momentos centrais do caso. Em 2018, ele atuou como procurador na venda da Fazenda Seringal Rio Cautário, de 47 mil hectares, para sua esposa, Jacqueline Moreno, por R$ 5 milhões, conforme registrado em cartório. A transação contraria a Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc), que proíbe registros privados em reservas extrativistas, salvo se comprovada a posse anterior à criação da unidade – o que, segundo o Incra, não ocorreu.
Em 2022, meses antes de assumir o cargo na Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental (Sedam), Souza representou a Fazenda Lago Brasil em um pedido à Sedam para exploração madeireira em 45 mil hectares dentro da Resex. O registro dessa fazenda foi feito por usucapião, um mecanismo inaplicável a terras públicas, e a Justiça Federal bloqueou sua matrícula em março de 2025, após a PGE identificar procurações falsas no georreferenciamento. Embora o nome de Souza não seja citado diretamente nas investigações do Incra e da PGE, sua relação com os imóveis foi confirmada por escrituras públicas e documentos oficiais

Conflito de interesses e pressões políticas
O envolvimento de Souza levanta suspeitas de conflito de interesses, especialmente por sua posição na Sedam, onde preside a Comissão Estadual de Regularização Fundiária. Em 2023, ele apresentou ao governador Marcos Rocha uma minuta de projeto de lei que proibiria comunidades tradicionais de atuarem diretamente em projetos de crédito de carbono, permitindo a concessão florestal de unidades de conservação para atividades como extração de madeira. A proposta também defendia a “garantia de propriedade adquirida antes da criação da unidade de conservação”, beneficiando diretamente os imóveis ligados ao secretário. Embora o projeto ainda não tenha sido enviado à Assembleia Legislativa de Rondônia (ALE-RO), ele reflete a pressão para legalizar ocupações em áreas protegidas.
Em 2020, a Resex Rio Cautário foi destaque por um projeto de crédito de carbono, assinado por Marcos Rocha, que garantiria R$ 150 milhões em 30 anos para as 95 famílias extrativistas da reserva. No entanto, em 2024, o governo cancelou o projeto, decisão que está sob julgamento na Justiça. Ambientalistas apontam que a medida favorece interesses privados, como os da Fazenda Lago Brasil, que planejava explorar madeira e criar gado na área. Em março de 2025, o governo firmou um novo acordo de crédito de carbono com o Centro Tecnológico de Portugal, com a participação de Souza, reforçando sua influência em políticas ambientais do estado.
Histórico de irregularidades e pressões do agronegócio
Antes de ingressar na Sedam, Souza e Moreno comandaram a Triunfo Madeiras, uma madeireira multada em mais de R$ 200 mil pelo Ibama por irregularidades, como venda de madeira sem origem comprovada e inserção de dados falsos no sistema florestal da Sedam. Moreno também teve uma propriedade para criação de gado em Alto Paraíso (RO) entre 2009 e 2018. Durante a pandemia, o casal recebeu auxílio emergencial, destinado a famílias de baixa renda, apesar de declararem transações milionárias.
O caso reflete um contexto mais amplo de pressão do agronegócio em Rondônia. Desde 1985, mais de 8 milhões de hectares de floresta amazônica foram convertidos em pastagem e lavoura no estado, segundo o MapBiomas. Com a devastação de áreas não protegidas, unidades de conservação como a Resex Rio Cautário tornaram-se alvos de grileiros.
Em abril de 2025, a ALE-RO aprovou uma lei que anistia fazendeiros invasores na Resex Jaci-Paraná, permitindo sua permanência por 30 anos. No mesmo mês, a CPI das Unidades de Conservação propôs a extinção de 11 UCs estaduais, incluindo a Resex Rio Cautário. O Ministério Público de Rondônia (MP-RO) questionou a constitucionalidade da lei da Jaci-Paraná, assim como fez em 2020, quando uma redução de 220 mil hectares na mesma reserva e no Parque Guajará-Mirim foi considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Reação de ambientalistas e posicionamento oficial
O governo de Rondônia, em nota, negou que Souza tenha responsabilidade direta na grilagem e afirmou que qualquer denúncia será encaminhada aos órgãos de controle. Sobre as propostas de redução de UCs, o Executivo declarou não apoiar alterações nos limites das unidades de conservação, exigindo critérios técnicos, consultas públicas e pareceres ambientais. No entanto, a participação de Souza em projetos que favorecem interesses privados levanta questionamentos sobre a transparência das políticas ambientais do estado.
O Ministério Público Federal (MPF) informou que a relação de Souza com os imóveis pode configurar conflito de interesses, podendo resultar em ações contra o secretário. O Incra, por sua vez, anunciou que auditará todas as certificações derivadas da escritura de Balbino Maciel, refutando registros sobre terras públicas.
Impactos e desdobramentos
Se confirmadas, as irregularidades na Resex Rio Cautário representariam a maior grilagem em uma unidade de conservação em Rondônia e a quinta maior na Amazônia, segundo dados do Sistema de Gestão Fundiária (Sigef). O caso expõe a fragilidade na proteção de áreas protegidas e a influência do agronegócio em políticas públicas no estado. A pressão por regularização fundiária, liderada por figuras como Souza e apoiada por setores da ALE-RO, ameaça não apenas a Resex Rio Cautário, mas outras unidades de conservação e terras indígenas em Rondônia.
A investigação da InfoAmazonia, publicada em 16 de junho de 2025, gerou repercussão em redes sociais, com posts destacando a gravidade do caso. Usuários no X expressaram indignação com a possível conivência de autoridades na grilagem, cobrando ações do MPF e do governo federal. O caso também reacende o debate sobre a preservação da Amazônia em um momento de crescente pressão internacional por medidas contra o desmatamento.
Enquanto as investigações seguem, a Resex Rio Cautário permanece sob ameaça, com as comunidades extrativistas lutando para manter seus direitos e proteger a floresta. O desfecho do caso pode definir o futuro das unidades de conservação em Rondônia e testar a capacidade do estado de combater a grilagem em uma das regiões mais críticas da Amazônia.
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