Projeto Antifacção é mais marketing político que solução efetiva, diz jurista
Segundo especialista em Criminologia, proposta é um ‘placebo para ganhar votos' que erra o alvo do combate às facções criminosas
Vendido como uma resposta dura do Estado ao crime organizado, o “PL Antifacção” aprovado na Câmara nesta terça-feira (18/11) eleva penas para até 66 anos, endurece a progressão de regime e permite o confisco de bens de investigados antes mesmo de uma condenação final. No papel, parece um avanço. Mas, na prática, é um “placebo para ganhar votos” que pode gerar mais problemas do que soluções. A análise é da jurista Jacqueline Valles, mestre em Direito Penal, especialista em Criminologia e sócia do escritório Valles e Valles Sociedade de Advogados.
Para ela, o projeto é um clássico exemplo de populismo penal: soa bem para a sociedade amedrontada, mas erra o alvo principal e atropela garantias fundamentais. “Este projeto serve mais como um engodo social do que como uma ferramenta de segurança real. É a resposta fácil para um problema complexo, feita para gerar manchetes e acalmar a opinião pública, mas sem eficácia comprovada”, dispara Jacqueline.
Um dos pontos mais alarmantes, segundo a especialista, é a criação de conceitos vagos e abertos, como “domínio social estruturado”. A falta de clareza, diz ela, é um convite ao desastre e à arbitrariedade. “Estamos criando uma lei com termos tão fluidos que um protesto de moradores em uma reintegração de posse, reagindo para não perder suas casas, poderia ser perigosamente enquadrado como ato de uma facção”, argumenta.
Inconstitucional
Outro alerta levantado pela jurista é a previsão de perda de bens antes do trânsito em julgado. A medida, que permite ao Estado tomar o patrimônio de um acusado antes que ele seja definitivamente considerado culpado, inverte uma lógica sagrada do Direito. “É uma aniquilação da presunção de inocência, uma cláusula pétrea da nossa Constituição”, critica a especialista. “A proposta pune primeiro para julgar depois. E se o réu for inocentado ao final? O dano será irreparável. A lei já tem ferramentas, como o sequestro de bens, que são eficazes e respeitam a Constituição. O que estão propondo é um retrocesso”.
Mira errada
A estratégia do projeto, focada em prender por mais tempo e dificultar benefícios, também é vista como um erro crasso de diagnóstico. Para a especialista em Criminologia, o Congresso mira no “soldado” do crime, uma peça facilmente substituível na engrenagem das facções, ignorando o que realmente lhes dá poder: o dinheiro. “A facção não se abala ao perder um soldado; ela se abala ao perder seu dinheiro. Prender um integrante por 40 ou 50 anos não quebra a estrutura. Enquanto ele está preso, outros dez são recrutados”, explica a jurista. “O combate efetivo se dá com inteligência financeira, asfixiando o fluxo de caixa, desmantelando a lavagem de dinheiro. O projeto ataca o sintoma, a febre, mas ignora completamente a infecção. Ele mira no peão, quando deveria mirar no caixa-forte da organização”.
Na avaliação da advogada criminalista, o caminho escolhido pode ser uma armadilha. Ao trocar estratégia e inteligência por penas mais longas e desrespeito a garantias, o Brasil pode estar apenas superlotando ainda mais seus presídios, sem de fato enfraquecer o poder paralelo que domina comunidades inteiras. “No fim das contas, é mais uma legislação simbólica. Parece dura, mas é ineficaz. Responde a um anseio popular por vingança, mas não entrega o que promete: segurança”, conclui.
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