Preso, acusado de mandar matar Marielle, mantém mandato e recebe mais de R$ 1 milhão em benefícios
Deputados cobram urgência na votação da cassação de Chiquinho Brazão, que segue recebendo salário e benefícios mesmo preso há um ano. Caso expõe conexões entre política e milícias no Rio de Janeiro
No momento em que o brutal assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes completa sete anos, uma situação peculiar expõe as contradições do sistema político brasileiro: o deputado federal Chiquinho Brazão (sem partido-RJ), apontado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) como um dos mandantes do crime, não apenas mantém seu mandato parlamentar como já recebeu mais de R$ 1 milhão em salários e benefícios desde sua prisão em março de 2024.
Durante sessão solene realizada nesta quarta-feira (12/3) na Câmara dos Deputados, a deputada Talíria Petrone (Psol-RJ) manifestou indignação com a situação. "É inadmissível que um dos mandantes siga exercendo seu mandato nesta casa", declarou, cobrando urgência na votação da cassação.
Processo de cassação emperrado
Embora o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara tenha aprovado a cassação de Brazão em agosto de 2024, e a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) tenha rejeitado seu recurso, o processo está parado, aguardando decisão do presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), para ser pautado em plenário.
Conexões perigosas: crime, política e milícias
O caso Marielle expôs uma intrincada rede de conexões entre o poder público e grupos paramilitares no Rio de Janeiro. Segundo a denúncia da PGR, os irmãos Brazão ordenaram o assassinato da vereadora por ela representar um obstáculo aos seus interesses econômicos, especialmente relacionados à regularização de loteamentos irregulares em áreas dominadas por milícias.
A prisão do então chefe da Polícia Civil do Rio, delegado Rivaldo Barbosa, acusado de participação no planejamento do crime, evidenciou ainda mais o alcance dessas conexões. Ironicamente, Barbosa foi um dos primeiros a se reunir com a família das vítimas, prometendo solucionar o caso.
Situação atual dos acusados
Chiquinho Brazão permanece detido em presídio federal, tendo passado recentemente por um procedimento de cateterismo após relatório médico apontar "alta possibilidade de mal súbito". Seu irmão, Domingos Brazão, conselheiro afastado do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, também segue preso.
Em fevereiro de 2025, a defesa de Rivaldo Barbosa peticionou ao Supremo Tribunal Federal (STF) solicitando o desbloqueio de seu salário, evidenciando que as questões financeiras e administrativas seguem em paralelo ao processo criminal.
Legado e luta por justiça
A bancada do Psol na Câmara mantém viva a memória de Marielle e Anderson através de sessões anuais de homenagem. Para Talíria Petrone, o caso evidencia a necessidade urgente de enfrentamento às milícias pelo Estado brasileiro: "Crime e milícia se alinham de maneira absurda e executaram Marielle e Anderson. Enfrentar as milícias é uma tarefa, uma obrigação do Estado brasileiro".
O caso, que permaneceu praticamente estagnado enquanto estava sob responsabilidade da Polícia Civil do Rio de Janeiro, só apresentou avanços significativos após sua federalização, resultando na identificação e prisão dos supostos mandantes e articuladores do crime.
A demora na votação da cassação de Brazão e a manutenção de seus benefícios parlamentares, mesmo após um ano de prisão, levantam questionamentos sobre a efetividade dos mecanismos de controle e punição no sistema político brasileiro, especialmente em casos que envolvem graves violações de direitos humanos e conexões com o crime organizado.
Linha do tempo do Caso Marielle Franco: Do assassinato à prisão dos mandantes
2018
14 de março de 2018
Por volta das 21h30, a vereadora Marielle Franco (PSOL) e seu motorista Anderson Gomes são executados a tiros no Estácio, região central do Rio de Janeiro
Marielle havia acabado de participar de um evento na Casa das Pretas, na Lapa
13 tiros atingiram o veículo; Fernanda Chaves, assessora de Marielle, sobrevive ao atentado
Março a dezembro de 2018
Primeiras investigações apontam execução premeditada
Polícia identifica que munição usada no crime pertencia a lotes vendidos para a Polícia Federal
Surge a primeira menção ao Escritório do Crime, grupo de matadores de aluguel
MP-RJ identifica características físicas do atirador
2019
Março de 2019
Prisão do PM reformado Ronnie Lessa e do ex-PM Élcio Queiroz
Lessa é apontado como atirador e Élcio como motorista do carro usado no crime
Outubro de 2019
Menção ao nome de Domingos Brazão em relatório da PF
Federalização do caso é solicitada pela então procuradora-geral da República, Raquel Dodge
2020-2023
2020
STJ rejeita federalização do caso
Investigações continuam sob responsabilidade do MP-RJ
2023
Julho: Élcio Queiroz fecha acordo de delação premiada
Confessa participação no crime e fornece novos detalhes
Aponta envolvimento do ex-PM Maxwell Simões Corrêa (Suel)
Outubro de 2023
Ronnie Lessa fecha acordo de delação premiada
Aponta os irmãos Brazão como mandantes do crime
2024
Janeiro de 2024
Supremo Tribunal Federal (STF) homologa a delação premiada de Ronnie Lessa
24 de março de 2024
PF deflagra Operação Murder Inc.
São presos:
Domingos Brazão (conselheiro do TCE-RJ)
Chiquinho Brazão (deputado federal)
Rivaldo Barbosa (ex-chefe da Polícia Civil do RJ)
Motivação do crime é revelada: disputa por terras na zona oeste do Rio
Março de 2025 (Atual)
Chiquinho Brazão continua com mandato de deputado federal, mesmo preso
Processo de cassação aguarda votação na Câmara dos Deputados
Acusados seguem presos em presídios federais
Investigações são oficialmente encerradas pela PF
Desdobramentos da investigação
Motivação do Crime
Conflito por regularização de terras e expansão de milícias na Zona Oeste do Rio
Marielle se opunha a projetos de lei que beneficiariam grilagem de terras
Participantes Identificados
Mandantes:
Domingos Brazão
Chiquinho Brazão
Executor:
Ronnie Lessa (atirador)
Participantes Diretos:
Élcio Queiroz (motorista)
Maxwell Simões Corrêa (suporte logístico)
Acobertamento:
Rivaldo Barbosa (então chefe da Polícia Civil)
Esta linha do tempo representa os principais marcos de um dos casos mais emblemáticos da história recente do Brasil, que levou seis anos para ter seus supostos mandantes identificados e presos.
O caso expôs as complexas relações entre política, milícias e poder público no Rio de Janeiro, além de revelar as dificuldades na condução de investigações que envolvem agentes públicos de alto escalão.