Assisti no dia 24 de janeiro a grande festa que foi promovida pela Prefeitura de Porto Velho, para comemorar 110 anos da instalação do Município.
Foi muito prazeroso observar as várias solenidades e demais eventos que ilustraram a data festiva.
Em certo momento dei uma viajada no tempo e lembrei dos 51 anos que vivo nesta cidade. Quando aqui cheguei Porto Velho estava com 59 anos como unidade emancipada.
A origem do Município é perfeitamente conhecida.
No ano de 1914 nossa Porto Velho foi alçada a condição de Município, em lei aprovada pela Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas, sendo desmembrada de Humaitá.
Sim, em sua origem nossa cidade foi amazonense.
A lei 757/14, que gerou o Município de Porto Velho, foi sancionada no dia 2 de outubro de 1914, sendo iniciados os preparativos para a instalação da nova comuna, o que veio a ocorrer no dia 24 de janeiro de 1915.
Assim permaneceu até setembro de 1943, quando a presidência da República criou o Território Federal do Guaporé, elegendo Porto Velho como capital da híbrida figura “território federal”, saindo da jurisdição do Estado do Amazonas.
Depois veio a alteração do nome do Território, que a partir da edição da lei federal nº 2731, de 15 de fevereiro de 1956, passou a ser denominado Rondônia, em justa homenagem ao fantástico Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon, que no ano de 1915 chegou por aqui, trazendo a linha telegráfica, após percorrer 1500 quilômetros, a partir de Cuiabá, abrindo a selva, para que esta isolada região fosse integrada ao Brasil.
A data festiva sempre existiu, todavia percebeu-se a necessidade dela ser incorporada ao calendário de feriados, haja vista a paralisação de atividades decorrentes da comemoração.
Assim, no ano de 1980, quando eu estava como Procurador Geral do Município, produzimos a lei nº 190, devidamente aprovada pelo Legislativo, a qual consta dos anais da Prefeitura.
Havia, porém, uma dificuldade de ordem legal.
A União editara, há algum tempo, Decreto-Lei que dispunha sobre o tema feriados, contendo a seguinte redação:
DECRETO-LEI Nº 86, DE 27 DE DEZEMBRO DE 1966
Altera o art. 11 da Lei nº 605, de 5 de janeiro de 1949.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando da atribuição que lhe é conferida pelo art. 9º, § 1º, do Ato Institucional número 4, de 7 de dezembro de 1966,
CONSIDERANDO os reflexos da paralisação do trabalho sôbre a economia e as finanças do país,
DECRETA:
Art. 1º O artigo 11 da Lei nº 605, de 5 de janeiro de 1949, passa a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 11. São feriados civis os declarados em lei federal. São feriados religiosos os dias de guarda declarados em lei municipal, de acôrdo com a tradição local e em número não superior a quatro, neste incluída a Sexta-feira da Paixão."
Art. 2º Êste decreto-lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
Brasília, 27 de dezembro de 1966; 145º da Independência e 78º da República.
H. CASTELLO BRANCO
Carlos Medeiros Silva
L. G. do Nascimento e Silva
Ou seja, o Município somente poderia dispor sobre feriados, em número não superior a quatro, nesses incluída a sexta-feira da paixão, que dissessem respeito a “dias de guarda, de acordo (agora sem o circunflexo) com a tradição local
Trabalhava comigo, como Assessor Legislativo, o venerando e saudoso Capitão Esrom Penha de Menezes e nós dois estivemos em contato com o então Bispo, D. João Batista Costa (um sacerdote muito querido e reverenciado), para que nos auxiliasse na confecção do texto legal, deixando claro que nossa intenção era declarar feriados os dias de criação e instalação do Município, mas que, por força de lei federal tínhamos que dizê-los e caracterizá-los como feriados religiosos.
Como será visto pelo texto da lei foi bem complicado achar um motivo religioso para justificar o feriado de 2 de outubro, enquanto os de 24 de janeiro, dedicado a São Francisco de Sales, por ser patrono da congregação Salesiana e por aqui os Salesianos estavam há longo tempo, especialmente representados pelo Colégio Dom Bosco, que forneceu excelente cultura fundamental e de nível médio a muitas gerações em Porto Velho, e o dia 24 de maio, que já constava como dedicado à padroeira de nossa cidade, Nossa Senhora Auxiliadora, foram de nenhuma dificuldade dispor.
Levamos o projeto de lei até a Câmara Municipal e fornecemos as explicações para justificar a forma e conteúdo do futuro diploma legal.
Nossos Edis, em votação unânime aprovaram a redação e ela foi sancionada.
Com esta pirueta jurídica conseguimos fazer os feriados de 24 de janeiro e 02 de outubro, os quais, para mim, que laborei na confecção do texto legal é sempre uma alegria e uma satisfação que se renova a cada festa, sentindo-me um partícipe efetivo das comemorações.
Garimpei e localizei o texto original da Lei Municipal nº 190, de 14 de outubro de 1980, inserindo-a ao presente para ilustração.
Dentre os signatários desta Lei sei que ainda percorrem as ruas de Porto Velho o Haroldo Leite, Sérgio Baffi, Sebastião Valadares e o José Atallah, que se doaram pela cidade e seu povo em tempos muito difíceis.
Fica o registro de um passado remoto e a minha alegria renovada ao assistir, à distância, a intensa festa promovida.
Parabéns, minha Porto Velho querida.
Amadeu Guilherme Matzenbacher Machado* é advogado, foi Conselheiro do. Tribunal de Contas do Estado e Procurador-Geral do Município de Porto Velho