Por que o STF e magistrados não proíbem parentes de advogar na Corte?
Decisão do Supremo flexibiliza regras de impedimento, enquanto atuação de familiares no STJ gera desconforto e levanta debates sobre imparcialidade
A atuação de parentes de ministros como advogados em tribunais superiores, especialmente no Superior Tribunal de Justiça (STJ), tem gerado crescente desconforto não apenas entre os próprios membros da corte e grandes bancas de advocacia, mas também entre magistrados de primeiro grau e tribunais de justiça.
A prática, que inclui desde atuações formais nos autos até consultorias "fora dos autos", foi intensificada após uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em agosto de 2023, que flexibilizou as regras de impedimento de juízes em processos envolvendo clientes de escritórios de advocacia com participação de seus familiares. A questão central é: por que o STF e os magistrados não aceitam o sacrifício de proibir cônjuges, filhos e parentes de atuarem em tribunais onde exercem influência, quando juízes frequentemente se declaram impedidos por motivos menos diretos?
Em 2023, o STF, por 7 votos a 4, derrubou um trecho do Código de Processo Civil (CPC) que impedia juízes de julgar processos de clientes de escritórios de advocacia nos quais seus cônjuges ou parentes até o terceiro grau atuassem, mesmo que representados por outra banca.
A decisão, liderada por ministros como Gilmar Mendes, Luiz Fux, Cristiano Zanin, Dias Toffoli, Kássio Nunes Marques, Alexandre de Moraes e André Mendonça, beneficia diretamente magistrados com familiares na advocacia. Por exemplo, Gilmar Mendes é casado com Guiomar Feitosa Mendes, sócia do escritório Sergio Bermudes Advogados, e Cristiano Zanin era sócio de sua esposa, Valeska Teixeira Zanin Martins. Outros ministros, como Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin, também possuem parentes advogados. A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), autora da ação, argumentou que a regra era "inexequível", pois juízes não conseguem verificar a carteira de clientes dos escritórios de seus familiares, o que violaria os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Os ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Luís Roberto Barroso (com ressalvas) e Cármen Lúcia, no entanto, defenderam a manutenção da norma, destacando sua importância para a imparcialidade.
No STJ, o incômodo é ainda mais evidente. Reportagem da Folha aponta que metade dos 31 ministros da corte possui filhos ou parentes atuando formalmente em quase mil processos em tramitação. A atuação "fora dos autos", sem procuração formal, agrava o problema, já que os nomes desses advogados não aparecem nos processos, dificultando a identificação de conflitos de interesse e limitando declarações de impedimento ou suspeição. Uma lei sancionada em 2022 por Jair Bolsonaro, que alterou o CPC, permitiu que atividades de consultoria jurídica sejam realizadas sem formalização de mandato, facilitando essa prática.
O desconforto, porém, não se restringe aos tribunais superiores. Magistrados de primeiro grau e desembargadores de tribunais de justiça relatam constrangimento ao receberem peças processuais assinadas por escritórios de filhos ou parentes de ministros do STJ ou STF. Essa situação gera uma percepção de pressão implícita, já que a proximidade familiar com membros de cortes superiores pode sugerir influência ou acesso privilegiado. Um juiz de primeira instância, ouvido reservadamente por um blog jurídico, afirmou que "é desconfortável julgar uma causa sabendo que o advogado é filho de um ministro, mesmo que a peça seja tecnicamente impecável. A sombra da influência está sempre presente". Essa percepção é reforçada pelo fato de que decisões de instâncias inferiores frequentemente chegam ao STJ em recursos, onde os magistrados com parentes advogados atuam.
Casos emblemáticos ilustram a extensão do problema. Na disputa bilionária pelo controle da Imcopa, envolvendo o Grupo Petrópolis, familiares de ministros como Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Kássio Nunes Marques e Cristiano Zanin atuaram como advogados em processos que tramitam no STJ, na Justiça do Paraná e na Justiça Federal em Brasília. Outras disputas de grande porte, como a briga pela Eldorado Celulose entre J&F e Paper Excellence, finalizada em maio de 2025 com um acordo de US$ 2,6 bilhões, e a disputa acionária pela Usiminas entre CSN e Ternium, também envolveram parentes de ministros.
Entre os advogados, a insatisfação cresce. No STJ, aqueles apelidados jocosamente de "príncipes" teriam privilégios, como acesso a encontros privados com ministros e autoridades de outros Poderes, reforçando a percepção de que sua contratação é uma forma de facilitar o acesso aos julgadores. Grandes bancas relatam pressão para atuar em conjunto com esses parentes em causas no tribunal, alimentando a crença de que tais contratações são quase uma exigência para o sucesso em processos relevantes. Um advogado de um renomado escritório de São Paulo, em entrevista à revista Consultor Jurídico, destacou que "as partes muitas vezes acreditam que só terão chance se contratarem alguém com laços familiares no tribunal, o que distorce a competição leal".
A decisão do STF de 2023 intensificou o debate ético. Por que magistrados, que se declaram impedidos por motivos subjetivos como amizades ou inimizades, não aceitam restringir a atuação de familiares? O ministro Edson Fachin, em seu voto vencido, defendeu que a norma derrubada era viável e necessária para garantir julgamentos imparciais, argumentando que a presunção de ganho econômico ou influência por parte do magistrado justifica a restrição. A Transparência Internacional – Brasil classificou a decisão como "lamentável", apontando que a regra aprimorava a integridade da Justiça e que tecnologias atuais permitem verificar vínculos societários de forma automatizada, refutando a alegação de inexequibilidade.
Nas redes sociais, a crítica é contundente. Um usuário no X descreveu a prática como "filhotismo", um "acinte escandaloso" que compromete a imparcialidade do Judiciário. Outro destacou que sete dos 11 ministros do STF têm parentes em escritórios de advocacia, sugerindo um conflito de interesses sistêmico. Um post no blog Painel Político reforçou que a percepção pública de favorecimento aos "príncipes" mina a confiança na Justiça, especialmente em disputas bilionárias.
Casos em tribunais regionais também expõem os riscos. Em 2023, a operação que investigou o juiz federal Cândido Ribeiro, do TRF-1, e seu filho por suspeita de venda de sentenças, e a operação Faroeste, que envolveu a rescisão de uma delação premiada de um filho de uma desembargadora, mostram como a atuação de familiares pode abrir espaço para práticas questionáveis.
A flexibilização das regras pelo STF, somada à atuação de parentes no STJ e ao desconforto em instâncias inferiores, levanta um questionamento urgente: até que ponto a imparcialidade do Judiciário está sendo comprometida? A recusa em adotar medidas mais rígidas contra a atuação de familiares, quando juízes se declaram impedidos por questões menos diretas, alimenta dúvidas sobre o compromisso do Judiciário com a transparência e a ética. A confiança na Justiça, já abalada por disputas bilionárias e interesses políticos, corre o risco de se deteriorar ainda mais.
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