Panamá em convulsão: protestos, repressão e crise social marcam 2025
Greves e bloqueios de vias expõem tensões contra a reforma da previdência, mineração e influência externa no Canal do Panamá
O Panamá vive, desde abril de 2025, uma das maiores crises sociais e políticas de sua história recente, marcada por greves gerais, bloqueios de rodovias e protestos massivos que desafiam o governo conservador do presidente José Raúl Mulino. A revolta popular, que ganhou força com a aprovação da Lei 462 – uma reforma da previdência considerada regressiva por sindicatos e movimentos sociais – se intensificou com a repressão estatal, culminando na decretação de um estado de urgência na província de Bocas del Toro, epicentro das manifestações.
O saldo, segundo dados oficiais e da organização panamenha Direitos Comuns, é trágico: pelo menos dois mortos, incluindo uma criança de menos de 2 anos por inalação de gás lacrimogêneo, cerca de 370 detidos e 600 feridos. A crise, que combina insatisfação com a reforma da previdência, preocupações ambientais e tensões geopolíticas envolvendo o Canal do Panamá, expõe um país em ponto de ebulição, com impactos econômicos e sociais profundos.
A Origem da Crise: Reforma da Previdência e Descontentamento Social
A Lei 462, aprovada em março de 2025 sem amplo debate parlamentar ou consulta pública, reformulou o sistema previdenciário panamenho, substituindo o modelo de solidariedade intergeracional por contas individuais. Segundo sindicatos como o Suntracs e a Asoprof, a reforma reduz as pensões de 60-70% do salário para apenas 30-35%, afetando especialmente os trabalhadores mais jovens. Uma pesquisa da DoxaPanama revelou que 82% da população rejeita a medida, que, segundo críticos, beneficia o empresariado e privatiza a seguridade social. Diógenes Sánchez, líder do sindicato dos professores, afirmou ao Brasil de Fato: “Com a nova fórmula, é uma pensão de fome.”
A insatisfação com a reforma desencadeou uma greve geral iniciada em 23 de abril, liderada por professores e rapidamente ampliada por trabalhadores da construção civil, comunidades indígenas, estudantes e agricultores. A paralisação impactou setores estratégicos, como universidades, escolas e canteiros de obras, além de provocar o fechamento de rodovias cruciais, como a Interamericana. A empresa Chiquita Panamá, por exemplo, anunciou o fechamento de fazendas em Bocas del Toro, alegando prejuízos de mais de US$ 10 milhões, e demitiu cerca de 5 mil trabalhadores, decisão respaldada pelo governo e que intensificou os protestos.
Repressão Estatal e Estado de Urgência
Diante da escalada das manifestações, o governo Mulino respondeu com repressão. Em 20 de junho, foi decretado estado de urgência em Bocas del Toro, permitindo detenções sem mandado judicial, suspensão do habeas corpus, controle de dispositivos eletrônicos e até censura em redes sociais. A medida, justificada como resposta a “atos de vandalismo”, incluiu o corte de internet e telecomunicações na província, afetando 185 mil habitantes e dificultando a cobertura jornalística, segundo denúncias do Comitê de Proteção de Jornalistas (CPJ). O sinal foi restabelecido em 30 de junho, após a suspensão do estado de urgência, mas a Operação Omega, destinada a conter os protestos, segue em vigor.
A repressão resultou em cenas de violência descritas como autoritárias pelo sociólogo Werner Vásquez von Schoettler, da Flacso. “Não havia visto uma reação das forças militares dessa maneira contra a população desde a invasão dos EUA em 1989”, afirmou. Ele compara o cenário à repressão da última ditadura panamenha, destacando práticas como a invasão de escolas, buscas ilegais e perseguição a líderes sindicais. Saúl Méndez, líder do Suntracs, buscou asilo na Embaixada da Bolívia após mandados de prisão contra ele e outros dirigentes sindicais, acusados de crimes como lavagem de dinheiro – denúncias que movimentos sociais classificam como perseguição política.
Mineração e Soberania: A Sombra da First Quantum e do Canal do Panamá
A crise atual tem raízes em tensões acumuladas, como explica Von Schoettler. Em 2023, protestos massivos liderados por estudantes e indígenas forçaram a suspensão das operações da mineradora canadense First Quantum, responsável pela mina Cobre Panamá, uma das maiores da América Central. A decisão da Suprema Corte, que declarou o contrato da empresa inconstitucional, foi uma vitória histórica para os movimentos ambientais. No entanto, Mulino, desde sua posse em julho de 2024, sinalizou a intenção de reativar a mina, gerando nova onda de indignação. O sociólogo aponta que a paralisação da mina impactou as finanças públicas, sendo usada pelo governo como justificativa para a reforma da previdência.
Outro fator que alimenta os protestos é a pressão dos Estados Unidos, liderados por Donald Trump, para retomar o controle do Canal do Panamá, transferido ao país em 1999 após os Tratados Torrijos-Carter. Desde dezembro de 2024, Trump tem criticado as taxas cobradas pelo Panamá e ameaçado ações militares para “recuperar” o canal, alegando influência chinesa na região. Em abril de 2025, Mulino assinou um acordo com os EUA, permitindo a presença de tropas americanas em áreas próximas ao canal e isenção de pedágios para navios militares, sem debate público. A medida foi vista como uma capitulação à pressão americana, inflamando sentimentos nacionalistas e o lema “Um só território, uma só bandeira”.
Impactos Econômicos e Sociais
A crise abala a economia panamenha, especialmente em Bocas del Toro, onde o turismo, uma das principais atividades econômicas, sofreu forte impacto devido aos protestos e à repressão. O fechamento de rodovias e a paralisação de atividades comerciais, como as fazendas da Chiquita, agravaram a situação socioeconômica. O Panamá, que depende do Canal para cerca de 2,5% do comércio marítimo global, enfrenta também os desafios de uma crise econômica mais ampla, com aumento da pobreza, desemprego em 9% e 45% dos trabalhadores no setor informal. A seca, que afeta as operações do canal, e a desigualdade – o Panamá é o quarto país mais desigual do mundo, segundo o Banco Mundial – intensificam o descontentamento.
Reações Internacionais e o Futuro do Conflito
A repressão no Panamá gerou críticas de organizações como a Coordenadora das Centrais Sindicais do Cone Sul (CCSCS), que exigiu a cessação das ações repressivas, a libertação de detidos e a garantia de direitos sindicais. A entidade também questionou a compatibilidade das ações do governo com os princípios democráticos do Mercosul. No plano interno, movimentos como a aliança Pueblo Unido por la Vida convocaram marchas nacionais, enquanto sindicatos como a Asoprof mantêm a greve, exigindo a revogação da Lei 462 e o fim da influência estrangeira.
Para José Cambra, sociólogo e militante, o Panamá tornou-se “o epicentro da luta dos povos latino-americanos contra o capitalismo selvagem”. Ele alerta que a continuidade da repressão e a falta de diálogo podem levar a um impasse, com risco de ingovernabilidade. A resistência, porém, não mostra sinais de recuo, com comunidades indígenas, trabalhadores e estudantes mantendo bloqueios e mobilizações.
O governo Mulino, apoiado pela oligarquia panamenha e alinhado aos interesses dos EUA, enfrenta um desafio monumental. A combinação de crise econômica, repressão estatal e tensões geopolíticas coloca o Panamá em um momento crítico, onde a luta pela soberania e pelos direitos sociais definirá o futuro do país.
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