O que acontece quando um papa morre?
Tradição secular da Igreja Católica define ritos fúnebres e sucessão papal em caso de falecimento; dois bispos brasileiros estão na lista para sucessão papal
A morte de um papa é um evento que mobiliza a Igreja Católica e seus mais de um bilhão de fiéis ao redor do mundo, desencadeando uma série de procedimentos tradicionais que combinam rituais fúnebres solenes e a eleição de um novo líder.
Com o Papa Francisco, de 88 anos, enfrentando problemas de saúde recentes, como a internação por pneumonia bilateral em fevereiro de 2025, a especulação sobre o futuro do papado ganha força. Entenda os passos que seguem o falecimento de um pontífice, os procedimentos de enterro, a sucessão e os nomes cotados para assumir o cargo.
Procedimentos após a morte
Quando um papa falece, o Vaticano entra em um período conhecido como "Sé Vacante" (Sede Vazia), durante o qual a administração da Igreja é gerida temporariamente pelo Cardeal Camerlengo — atualmente, Kevin Farrell. O processo começa com a confirmação oficial da morte, tradicionalmente feita pelo Camerlengo, que anuncia o óbito e organiza os ritos iniciais. O sino da Basílica de São Pedro é tocado para informar o falecimento, e o anel do pescador, símbolo da autoridade papal, é destruído.
Segue-se o "Novendiale", um luto de nove dias com missas em homenagem ao papa. Durante esse período, o corpo é preparado, vestido com paramentos litúrgicos e exposto na Basílica de São Pedro para visitação pública, atraindo milhares de fiéis e líderes mundiais. O funeral, realizado entre quatro e seis dias após a morte, é conduzido pelo Decano do Colégio dos Cardeais — hoje, Giovanni Battista Re, de 91 anos — na Praça de São Pedro.
Procedimentos de enterro
Historicamente, os papas eram sepultados em três caixões — de cipreste, zinco e olmo — nas Grutas do Vaticano, sob a Basílica de São Pedro, onde repousam quase 100 pontífices. No entanto, Papa Francisco expressou, em 2023, o desejo de um funeral mais simples, com um único caixão de madeira e zinco, e escolheu a Basílica de Santa Maria Maior, em Roma, como local de sepultamento, quebrando uma tradição de mais de um século. Um "rogito", documento que resume seu pontificado, e moedas de seu reinado podem ser colocados no caixão, como ocorreu com Bento XVI, falecido em 2022.
Sucessão papal
A eleição do novo papa ocorre em um conclave, reunião secreta na Capela Sistina, iniciada de 15 a 20 dias após o funeral. Apenas cardeais com menos de 80 anos — cerca de 120 atualmente — têm direito a voto. O processo exige que um candidato alcance dois terços dos votos, com até quatro votações diárias. Fumaça preta indica votação inconclusiva; fumaça branca sinaliza a escolha do novo papa, seguida do anúncio "Habemus Papam" na sacada da Basílica de São Pedro.
Candidatos cotados para suceder Francisco
Com a saúde frágil de Francisco, nomes de cardeais "papáveis" emergem. Entre os cotados estão:
Luis Antonio Tagle (Filipinas): Arcebispo de Manila, 67 anos, é popular e alinhado às reformas de Francisco. Poderia ser o primeiro papa asiático.
Matteo Zuppi (Itália): Arcebispo de Bolonha, 69 anos, é próximo de Francisco e tem forte influência italiana.
Peter Turkson (Gana): 76 anos, conhecido por posições sobre justiça social, poderia ser o primeiro papa negro.
Dom Leonardo Steiner (Brasil): Arcebispo de Manaus, 74 anos, representa a Amazônia e a América Latina.
Dom Paulo Cezar Costa (Brasil): Arcebispo de Brasília, 57 anos, é um nome jovem e promissor.
A escolha refletirá se os cardeais optarão por continuar a "Agenda Francisco", focada em sinodalidade e justiça social, ou por um perfil mais conservador. Enquanto o mundo observa a saúde do atual pontífice, o Vaticano se prepara para um momento que une tradição, fé e a expectativa por um novo capítulo na história da Igreja.
O Conclave: O ritual secreto da eleição Papal
O conclave é o processo pelo qual a Igreja Católica elege um novo papa após a morte ou renúncia de seu antecessor. Realizado na Capela Sistina, no Vaticano, esse ritual combina séculos de tradição, regras rígidas e um ambiente de absoluto sigilo, garantindo que os cardeais escolham o líder da Igreja sob inspiração divina. Com a possibilidade de um conclave no horizonte devido à saúde fragilizada do Papa Francisco em março de 2025, conheça os detalhes desse evento histórico.
Origem e significado
A palavra "conclave" vem do latim cum clave ("com chave"), remetendo ao isolamento dos cardeais, prática instituída em 1274 pelo Papa Gregório X após um processo caótico de eleição que durou quase três anos. Hoje, o conclave é regido pela constituição apostólica Universi Dominici Gregis (1996), de João Paulo II, com ajustes feitos por Bento XVI e Francisco, e ocorre entre 15 e 20 dias após o início da Sé Vacante (período sem papa), permitindo a chegada dos cardeais ao Vaticano.
Quem participa?
Apenas os cardeais com menos de 80 anos no momento do início da Sé Vacante podem votar — atualmente, cerca de 120, número que varia conforme nomeações e aniversários. Em março de 2025, o Colégio de Cardeais inclui representantes de todos os continentes, refletindo a globalização promovida por Francisco. Cardeais acima de 80 anos podem participar das discussões preliminares, mas não entram no conclave.
Preparação e isolamento
Antes do conclave, os cardeais reúnem-se em encontros chamados "congregações gerais" para discutir os desafios da Igreja e traçar perfis para o futuro papa. No dia marcado, a procissão dos cardeais entra na Capela Sistina ao som do hino Veni Creator Spiritus. Após o juramento de sigilo, o mestre de cerimônias proclama “Extra omnes!” ("Todos fora!"), e as portas são fechadas. O isolamento é total: não há acesso a telefones, internet ou qualquer comunicação externa, sob pena de excomunhão.
O processo de votação
A eleição ocorre em sessões de votação, com até quatro escrutínios por dia — dois pela manhã e dois à tarde. Cada cardeal escreve o nome de seu candidato em uma cédula com a frase “Eligo in Summum Pontificem” ("Elejo como Sumo Pontífice"), disfarçando a caligrafia para garantir anonimato. As cédulas são depositadas em um cálice no altar da Capela Sistina, sob os afrescos de Michelangelo.
Três cardeais escrutinadores contam os votos, e o candidato precisa de dois terços (hoje, cerca de 80 votos) para ser eleito. Se ninguém alcança a maioria, a fumaça preta, produzida pela queima das cédulas com químicos, sai pela chaminé da Capela, visível na Praça de São Pedro. Após a eleição, a fumaça branca, feita com uma fórmula diferente, sinaliza a escolha. Se após 30 votações (cerca de 7 dias) não houver decisão, os cardeais podem optar por maioria simples ou votar entre os dois mais votados.
Após a eleição
O cardeal eleito é questionado pelo Decano do Colégio dos Cardeais: “Acceptasne electionem?” ("Aceitas a eleição?"). Se aceitar, escolhe seu nome papal e veste-se com as vestes brancas em uma sala chamada "Sala das Lágrimas". O Cardeal Protodiácono aparece na sacada da Basílica de São Pedro e anuncia: “Annuntio vobis gaudium magnum: Habemus Papam!” ("Anuncio-vos uma grande alegria: Temos um Papa!"), revelando o nome e o novo título. O papa então concede sua primeira bênção, Urbi et Orbi ("À cidade e ao mundo").
Curiosidades e segurança
A Capela Sistina é inspecionada contra dispositivos de escuta antes do conclave, e os cardeais ficam hospedados na Casa Santa Marta, um alojamento simples no Vaticano. Juramentos de sigilo são feitos por todos os envolvidos, incluindo cozinheiros e seguranças. Historicamente, conclaves variaram em duração: o mais longo, em 1268-1271, durou 1.006 dias; o mais curto, em 1939, elegeu Pio XII em menos de 24 horas.
Contexto atual
Com Francisco priorizando cardeais de periferias e renovando o Colégio, o próximo conclave pode ser imprevisível. A escolha refletirá disputas entre continuidade de suas reformas e um retorno a posturas conservadoras, em um processo que une fé, política e mistério sob os olhos do mundo.
Papas que Moldaram a História da Igreja e do Mundo
Desde a fundação da Igreja Católica, os papas têm desempenhado papéis cruciais não apenas na esfera religiosa, mas também na política, cultura e história global. Com mais de 2.000 anos de tradição, o papado acumula 266 pontífices reconhecidos até março de 2025, cada um com sua marca única. Conheça alguns dos papas mais históricos, seus feitos e como influenciaram o rumo da humanidade.
São Pedro (c. 30-67): O Primeiro Papa
Considerado o fundador da Igreja, São Pedro foi um dos apóstolos de Jesus e o primeiro bispo de Roma. Segundo a tradição, foi crucificado de cabeça para baixo por ordem do imperador Nero. Seu túmulo sob a Basílica de São Pedro simboliza a origem do papado. Apesar de seu pontificado ser mais lendário que documentado, Pedro estabeleceu o modelo de liderança apostólica.
Leão I, o Grande (440-461): O Defensor de Roma
Leão I foi um dos primeiros a consolidar o poder papal. Em 452, ele negociou com Átila, o Huno, evitando a invasão de Roma, e em 455 mitigou o saque dos vândalos. Teologicamente, seu "Tomo de Leão" definiu a doutrina da Encarnação, influenciando o Concílio de Calcedônia (451). É um dos três papas chamados "o Grande".
Gregório I, o Grande (590-604): O Reformador Medieval
Gregório I transformou o papado em uma força administrativa e espiritual na Europa medieval. Introduziu o canto gregoriano, organizou missões evangelizadoras — como a de Santo Agostinho à Inglaterra — e escreveu obras como os "Diálogos". Sua gestão durante pragas e invasões bárbaras reforçou o papel do papa como protetor do povo.
Urbano II (1088-1099): O Papa das Cruzadas
Urbano II lançou a Primeira Cruzada em 1095, após um apelo em Clermont, prometendo redenção aos cristãos que reconquistassem Jerusalém. Seu pontificado marcou o auge do poder papal na Idade Média, mas também abriu um capítulo de conflitos com o Islã, cujas consequências ecoam até hoje.
Inocêncio III (1198-1216): O Auge do Poder Temporal
Inocêncio III foi o papa mais poderoso da história, exercendo autoridade sobre reis e imperadores. Convocou o IV Concílio de Latrão (1215), que definiu a transubstanciação, e aprovou as ordens franciscana e dominicana. Seu reinado consolidou o papado como uma monarquia teocrática, mas também gerou tensões com governantes seculares.
Clemente V (1305-1314): O Início do Cativeiro de Avignon
Primeiro papa do "Cativeiro de Avignon", Clemente V mudou a sede papal de Roma para a França sob pressão do rei Filipe IV. Seu pontificado (1305-1378) enfraqueceu a Igreja e culminou na supressão dos Cavaleiros Templários, marcando um período de crise e divisão no papado.
Leão X (1513-1521): O Papa do Renascimento e da Reforma
Leão X, da família Medici, foi um mecenas das artes, financiando obras de Rafael e Michelangelo. Porém, seu luxo e a venda de indulgências provocaram a revolta de Martinho Lutero, desencadeando a Reforma Protestante em 1517. Seu fracasso em lidar com a crise fragmentou a cristandade ocidental.
Pio IX (1846-1878): O Papa da Modernidade e da Infallibilidade
Com o pontificado mais longo da história (31 anos), Pio IX enfrentou a unificação italiana, perdendo os Estados Papais, e definiu o dogma da Imaculada Conceição (1854). No Concílio Vaticano I (1870), proclamou a infalibilidade papal, um marco controverso que solidificou a autoridade doutrinária do papa.
João XXIII (1958-1963): O Papa da Renovação
Apelidado de "Papa Bom", João XXIII convocou o Concílio Vaticano II (1962-1965), promovendo a modernização da Igreja, o diálogo inter-religioso e a abertura ao mundo. Apesar de seu curto pontificado, seu carisma e visão transformaram a Igreja no século XX.
João Paulo II (1978-2005): O Papa Global
Primeiro papa não italiano em 455 anos (polonês), João Paulo II foi um ícone do século XX. Viajou a mais de 129 países, ajudou a enfraquecer o comunismo no Leste Europeu e enfrentou escândalos como os abusos sexuais na Igreja. Canonizado em 2014, seu reinado de 26 anos é um dos mais influentes da era moderna.
Legado e atualidade
Esses papas representam momentos de glória, crise e transformação. Hoje, com Francisco — o primeiro papa latino-americano e jesuíta —, a Igreja segue moldada por seus predecessores, equilibrando tradição e desafios contemporâneos como secularismo e mudanças climáticas. Cada pontífice histórico deixou um capítulo indelével na saga do papado.