Mulheres evangélicas vítimas de feminicídio: um retrato urgente de dor, silêncio e invisibilidade
Mais de 40% dos casos letais envolvem mulheres que professam fé evangélica — e a maioria das agressões domésticas não é denunciada
A afirmação de que “mais de 40% das mulheres assassinadas no Brasil são evangélicas” tem circulado em reportagens e perfis de redes sociais. Esse dado chama a atenção — e merece ser examinado com cuidado, dentro de um contexto de invisibilidade estruturada da violência de gênero.
O dado e seus limites
De fato, levantamentos recentes como reportagens a partir de relatórios do Fórum Brasileiro de Segurança Pública sugerem que “mais de 40% das mulheres assassinadas no Brasil são evangélicas”. No entanto, é importante sublinhar que esse percentual costuma emergir de cruzamentos exploratórios entre perfis religiosos declarados e vítimas identificadas, mais do que de pesquisa específica sobre gênero e religião com metodologia robusta.
Outro dado que ecoa em estudos e na mídia: segundo o relatório Visível e invisível: a vitimização de mulheres no Brasil (FBSP / Datafolha), 42,7% das mulheres que se declararam evangélicas afirmaram ter sofrido violência ao longo da vida — contra 35,1% das que disseram ser católicas. Nos últimos 12 meses, a prevalência foi de 38,7% entre evangélicas e 33,2% entre católicas. Esse tipo de dado reforça que o universo religioso não é neutro em relação às violências domésticas.
Contudo, não há consenso acadêmico de que o fato de uma mulher ser evangélica configure, por si só, um risco autônomo de homicídio ou feminicídio — fatores socioeconômicos, regionais, culturais e institucionalidades locais são determinantes que atravessam religião.
Violência doméstica e subnotificação
O que à primeira vista parece um dado chocante (40%) ganha ainda mais força quando lembramos que a maioria das violências domésticas não é denunciada — segundo estimativas acadêmicas recentes, há um fenômeno de subnotificação intenso no Brasil.
A pesquisa Underreporting of Intimate Partner Violence in Brazil mostra que variáveis como o estado civil (casadas), convivência com parceiros que abusam de álcool e antecedentes de violência na família estão associados a menores chances de denúncia. Ou seja: muitos casos permanecem ocultos, reforçando o silêncio social, especialmente em comunidades religiosas onde se valoriza a harmonia familiar e o recato.
Em estudos mais qualitativos, relatos de mulheres evangélicas atendidas em centros de apoio demonstram que lideranças religiosas, em alguns casos, agem como barreiras ao diálogo sobre violência — reforçando doutrinas de submissão ou culpabilizando a vítima.
A dissertação “Sofrimento, submissão e silenciamento: os três ‘SSS’ da violência doméstica contra mulheres evangélicas em Nova Iguaçu (RJ)” aponta que a combinação de pressão simbólica, crenças de sacrifício e expectativas de paciência agravam o recuo das vítimas em denunciar. Em Itabuna (BA), mulheres relataram que lideranças da igreja “desvalorizavam, condenavam e reafirmavam a posição submissa da mulher” usando justificativas bíblicas.
O papel das instituições religiosas
Não se trata de afirmar que todas as igrejas ou líderes operam dessa forma; há congregações que já adotam práticas de acolhimento, formação de grupos de mulheres, campanhas contra a violência e parcerias com redes de assistência. Por exemplo, o coletivo Evangélicas pela Igualdade de Gênero (EIG) lançou uma cartilha de enfrentamento ao feminicídio em espaços cristãos e políticos.
Entretanto, ainda é recorrente um modelo pastoral que prioriza “orar” ou “pacificar” em vez de encaminhar a denúncia ou apoiar medidas concretas de proteção. Algumas interpretações teológicas tradicionais — como a ideia de que “o homem é cabeça do casal” — continuam sendo usadas para legitimar relações hierárquicas de poder que toleram controle e autoridade excessiva.
Quando uma mulher evangélica sofre violência e busca ajuda na igreja, muitas vezes encontra resistência para romper com o agressor. Apenas 6% das vítimas de violência grave declararam ter procurado a igreja como rede de apoio segundo o relatório Visível e invisível. Isso mostra que nem toda comunidade religiosa atua como via de acolhimento efetiva.
O contexto estrutural e outros determinantes
A religiosidade não atua isoladamente: fatores econômicos, educacionais, regionais e de raça são entrelaçados à violência de gênero. Por exemplo:
Um estudo em Revista de Saúde Pública revelou que o percentual de evangélicos foi estatisticamente associado à mortalidade feminina por agressão, controlando outras variáveis.
Estudos de ciências da religião destacam que o nível de envolvimento da mulher com a igreja pode tanto favorecer a permanência no relacionamento abusivo quanto fomentar a ruptura — dependendo de como a institucionalidade religiosa lida com o tema.
A pesquisa DataSenado de 2024 revelou que 68% das brasileiras conhecem alguém que já sofreu violência doméstica — o fenômeno não é restrito a evangélicas, embora a religiosidade possa reforçar mecanismos de silenciamento.
Vale lembrar: segundo a CNN Brasil, maridos e ex-maridos são responsáveis por cerca de 90% dos feminicídios identificados no Brasil. Ou seja, o diferencial não está apenas em quem é vítima, mas em quem é o agressor e nas vulnerabilidades institucionais que impedem a proteção.
Caminhos para visibilidade, prevenção e responsabilização
Para romper esse ciclo de silêncio e invisibilidade entre mulheres evangélicas expostas à violência, algumas medidas parecem essenciais:
Capacitação de lideranças religiosas — pastores, diáconos, conselheiros devem ser formados para identificar sinais de violência, promover redes de encaminhamento e não culpabilizar vítimas.
Integração entre igrejas e redes de proteção — serviços de assistência social, delegacias da mulher, centros de referência e ONGs para que a denúncia seja um caminho possível.
Campanhas de conscientização teológica — revisitar interpretações doctrinais que legitima valores de submissão ou silêncio feminino.
Fortalecimento dos instrumentos públicos de apoio — ampliar Casas da Mulher Brasileira, delegacias especializadas e linhas 24h (como o Ligue 180) que informem e acolham vítimas.
Produção de pesquisa — estudos específicos que aprofundem o perfil de mulheres evangélicas vítimas de violência letal, cruzando dados sociais, regionais, religiosos e institucionais.
O silêncio e a vergonha ainda imperam
Dizer que “mais de 40% das mulheres assassinadas no Brasil são evangélicas” é uma provocação necessária para trazer luz a um tema pouco visibilizado. Mas, para além do dado, o que precisa emergir é a reflexão sobre como a fé, quando cristalizada em discursos de submissão, aliado à omissão institucional e ao medo de denunciar, pode ser parte de uma teia de opressão às mulheres.
Enquanto a violência doméstica for silenciada — dentro e fora das igrejas — mulheres evangélicas continuarão figurando entre as vítimas sem que se reconheça sua condição de vítimas reais, com direitos e proteção.
Convido você, leitor ou leitora, a comentar suas impressões, partilhar casos ou sugestões de ação — e espalhar esse texto. Quanto mais vozes forem erguidas, menor será o espaço para o silêncio que mata.
Palavras-chave: violência doméstica, feminicídio, mulheres evangélicas, subnotificação, religião e gênero, cultura patriarcal, redes de proteção
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