Motoristas de aplicativo no Brasil enfrentam jornadas exaustivas e dívidas crescentes
Pesquisa revela que 92% dos motoristas estão endividados, com lucros abaixo de R$ 4,1 mil por mês, mesmo trabalhando até 60 horas por semana
No Brasil, a rotina dos motoristas de aplicativo tem se tornado cada vez mais desafiadora. Um levantamento recente da Gigu, plataforma que auxilia no cálculo da rentabilidade das corridas, expõe uma realidade preocupante: mesmo com jornadas de trabalho que chegam a 60 horas semanais, especialmente em grandes centros como São Paulo, os motoristas têm um lucro líquido médio inferior a R$ 4,1 mil por mês. A pesquisa, realizada com 1.252 motoristas de todos os estados brasileiros, aponta que 92% deles estão endividados, sendo que, para 68%, essas dívidas comprometem despesas essenciais, como moradia, alimentação e contas básicas do dia a dia.
A média nacional de jornada semanal é de 52 horas, mas em capitais como São Paulo, onde o trânsito intenso e a alta demanda por corridas elevam o tempo de trabalho, os motoristas chegam a trabalhar 60 horas por semana. Em cidades como Maceió e Manaus, a situação é ainda mais crítica, com lucros líquidos médios caindo para menos de R$ 2,5 mil, impactados pelos altos custos com combustível e, em muitos casos, pelo aluguel de veículos.
Fatores que agravam a situação
Diversos fatores contribuem para os baixos ganhos dos motoristas. A falta de transparência nos repasses das plataformas, como Uber e 99, é uma das principais queixas. Segundo a Gigu, os motoristas muitas vezes aceitam corridas sem saber se elas serão lucrativas, devido à rapidez exigida para a decisão — em média, menos de dez segundos. Além disso, o aumento constante no preço dos combustíveis tem corroído os lucros. Em Belém, por exemplo, os gastos mensais com gasolina chegam a R$ 2.341, o que representa cerca de 40% do faturamento bruto dos motoristas.
Mudanças frequentes nas regras de cálculo das corridas também dificultam a previsibilidade de ganhos. As plataformas, segundo motoristas entrevistados, muitas vezes reduzem as tarifas para atrair mais clientes, mas isso impacta diretamente a remuneração dos trabalhadores. “No horário de pico, as plataformas oferecem valores maiores, mas fora desses períodos, as corridas pagam muito pouco”, explica Leandro Cruz, presidente do Sindicato dos Trabalhadores com Aplicativos de Transportes Terrestres Intermunicipal do Estado de São Paulo.
Outro agravante é o fato de que 30% dos motoristas alugam seus veículos, o que reduz ainda mais a margem de lucro. Em cidades como Pelotas (RS) e Uberlândia (MG), onde a maioria dos condutores possui carro próprio, a lucratividade tende a ser um pouco maior, mas ainda insuficiente para garantir estabilidade financeira.
Impactos na saúde e na qualidade de vida
Além das dificuldades financeiras, a pesquisa da Gigu destaca os impactos na saúde mental e física dos motoristas. Cerca de 89% relatam efeitos negativos na saúde mental, como estresse e ansiedade, enquanto 70% afirmam não conseguir descansar o suficiente devido à necessidade de longas jornadas para atingir um ganho mínimo. Mais da metade (55%) dos entrevistados já considerou abandonar a profissão, citando a insegurança nas ruas, a falta de valorização e a pressão dos algoritmos das plataformas como motivos principais.
A rotina exaustiva também é agravada pela falta de benefícios trabalhistas. Diferentemente de trabalhadores com carteira assinada, os motoristas de aplicativo não têm direito a férias, 13º salário ou proteção previdenciária garantida, a menos que contribuam como Microempreendedores Individuais (MEI). Um estudo do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) reforça essa precarização, apontando que, entre 2012 e 2022, a renda média dos motoristas caiu de R$ 3.100 para R$ 2.400, enquanto as jornadas de trabalho aumentaram.
Estratégias para sobreviver no mercado
Para driblar os baixos lucros, muitos motoristas têm adotado estratégias como recusar corridas de baixo valor, operar em múltiplas plataformas (como Uber, 99 e InDrive) e priorizar horários de pico e regiões de maior demanda. Ferramentas como a Gigu, que oferece uma calculadora de rentabilidade, têm se tornado aliadas importantes. O aplicativo sinaliza, por meio de um “semáforo de valores”, se uma corrida é lucrativa (verde), aceitável (amarela) ou inviável (vermelha), ajudando os motoristas a tomar decisões mais conscientes.
Motoristas experientes, como Adriano Moraes, de Curitiba, compartilham suas táticas nas redes sociais. Trabalhando na categoria Comfort, Adriano fatura cerca de R$ 500 por dia, mas mantém um controle rigoroso de custos, que consomem cerca de R$ 181 diários. Sua seletividade — aceitando apenas 4% a 5% das corridas oferecidas — é um exemplo de como o planejamento pode fazer a diferença. “Se aceitar tudo, no fim do dia você só roda e não faz dinheiro”, afirma.
O debate sobre regulamentação
A precariedade enfrentada pelos motoristas tem reacendido o debate sobre a regulamentação da categoria. O Projeto de Lei Complementar (PLP) 12/2024, em análise na Câmara dos Deputados, busca garantir direitos trabalhistas e previdenciários sem comprometer a autonomia dos motoristas. A proposta estabelece uma remuneração mínima de R$ 32,10 por hora trabalhada, sendo R$ 24,07 destinados a cobrir custos operacionais (como combustível e manutenção) e R$ 8,03 como lucro. No entanto, a proposta enfrenta críticas.
Paulo Xavier Junior, presidente da Federação dos Motoristas por Aplicativos do Brasil, argumenta que o projeto não assegura ganhos reais, já que os custos operacionais muitas vezes superam os valores previstos. “As plataformas são predatórias. O motorista aceita uma corrida em cinco segundos e não tem como saber se ela é viável”, diz. Por outro lado, representantes como Leandro Cruz veem o PLP como um avanço, mas destacam a necessidade de maior compreensão por parte dos motoristas sobre os benefícios propostos.
A proposta também prevê uma jornada máxima de 12 horas diárias por plataforma, com relatórios mensais detalhando horas trabalhadas e remuneração. Além disso, motoristas e empresas teriam que contribuir para o INSS, o que pode aumentar o custo das corridas, segundo especialistas. O governo estima arrecadar R$ 280 milhões para a Previdência com a medida, mas o texto ainda precisa passar por comissões e ser aprovado em dois turnos na Câmara e no Senado.
Perspectivas para o futuro
Apesar dos desafios, alguns motoristas veem oportunidades em 2025. O aumento da demanda por corridas e a adoção de veículos mais econômicos, como carros híbridos ou elétricos, podem melhorar a rentabilidade. A instalação de kits de gás natural veicular (GNV), que pode ser feita em até oito horas, também tem sido uma alternativa para reduzir custos com combustível.
No entanto, a saturação do mercado, com mais de 2 milhões de motoristas no Brasil, segundo o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), intensifica a concorrência. A falta de oportunidades no mercado formal leva muitos a recorrerem aos aplicativos, mas a realidade de longas jornadas, altos custos e incertezas financeiras exige mudanças urgentes.
A Gigu e outras iniciativas, como o StopClub, continuam a oferecer ferramentas para que os motoristas otimizem seus ganhos, mas a categoria clama por maior transparência das plataformas e políticas públicas que garantam condições dignas de trabalho.
Enquanto o Congresso não chega a um consenso sobre a regulamentação, os motoristas seguem enfrentando uma rotina de sacrifícios para manter a renda e a esperança de dias melhores.
Contraponto
NOTA
A Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec) não reconhece os números citados como representativos da realidade dos motoristas, pois não foram apresentados critérios técnicos ou qualquer metodologia de amostragem necessária para a realização de pesquisas. Além disso, os números são baseados em informações declaratórias, sem nenhum tipo de checagem ou cálculo probabilístico.
A mais recente pesquisa feita pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) para a Amobitec calculou que a renda líquida média dos motoristas por apps varia entre R$ 3.083 a R$ 4.400 por mês para quem dirige 40 horas semanais, o que representa ganhos de R$ 19 a R$27 por hora, já descontadas estimativas de custos e incluindo variação no tempo de espera por corridas. No caso dos entregadores, a renda líquida mensal para jornada similar é de R$ 2.669 a R$ 3.581, o que corresponde de R$17 a R$22 líquidos por hora.
A pesquisa do Cebrap foi realizada entre maio de 2023 e abril de 2024 e utilizou de forma inédita os registros administrativos de corridas e entregas intermediados pelas empresas associadas, complementados com 3.000 entrevistas, em amostra aleatória e representativa do 1,7 milhão de motoristas e 455 mil entregadores que trabalham com aplicativos no Brasil.
A mesma pesquisa apurou que os motoristas atuam, em média, entre 19 e 27 horas semanais nos aplicativos, enquanto a jornada dos entregadores oscila entre 9 e 13 horas semanais – nos dois casos a variação ocorre considerando o mês e estimativas de tempo de espera entre corridas/entregas.
Sobre a remuneração dos profissionais, as empresas associadas da Amobitec atuam dentro de modelos de negócio que buscam equilibrar as demandas dos motoristas, que geram renda com os aplicativos, e a situação econômica dos usuários, que procuram formas acessíveis de transporte.
Mais detalhes sobre a pesquisa podem ser encontrados nesse link:
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Editada às 16h15min para inclusão da nota da Amobitec