Juiz Federal condena articulador da N'Golo por acusações contra magistrado em caso de mineração
Em meio a embates jurídicos por territórios quilombolas em Minas Gerais, uma sentença judicial destaca os riscos de extrapolar a imunidade da advocacia, reacendendo debates sobre defesa coletiva

A Justiça Federal de Minas Gerais proferiu uma decisão que ecoa nos corredores do ativismo quilombola e do direito ambiental: o advogado e professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), Matheus de Mendonça Gonçalves Leite, foi condenado a 1 ano, 7 meses e 15 dias de detenção por três crimes de calúnia contra o juiz federal Flávio Bittencourt de Souza. Leite, principal articulador jurídico da Federação das Comunidades Quilombolas de Minas Gerais – N’Golo, entidade presidida por Edna Correia de Oliveira, teve sua sentença determinada pela 2ª Vara Federal de Sete Lagoas, em despacho datado de 23 de novembro de 2025.
O caso surge no contexto de ações civis públicas envolvendo a comunidade quilombola de Queimadas, no município do Serro (MG), onde disputas territoriais opõem moradores tradicionais a empreendimentos minerários das empresas Herculano Mineração e Ônix Céu Aberto. Segundo a sentença, as acusações de Leite ultrapassaram os limites da imunidade profissional garantida pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), ao utilizar a estrutura da N’Golo e o discurso de defesa quilombola para ataques pessoais ao magistrado responsável pelas ações. A decisão judicial enfatiza que tal conduta não se enquadra na proteção legal à advocacia, especialmente quando imputa falsamente crimes a autoridades judiciais.
Especificamente, em apelações apresentadas em nome da federação, Leite qualificou como “audiência de saneamento clandestina” uma videoconferência realizada pelo juiz com advogados das mineradoras, na ausência da N’Golo, da Fundação Cultural Palmares, do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Ele alegou favorecimento ilícito às empresas e chegou a afirmar que a decisão judicial era “tão absurda que quase tornaria o magistrado cúmplice dos crimes de uma suposta ‘Ku Klux Klan do Serro’”, grupo que descreveu como formado por políticos, fazendeiros, mineradoras e membros da diretoria da associação local. Essa última menção, proferida em uma fala pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), foi um dos pilares da condenação, reconhecida como o terceiro crime de calúnia.
A sentença não se limita à pena principal. O juiz destacou a “reprovabilidade acentuada” das condutas de Leite, que responde ainda a outras cinco ações penais por crimes contra a honra, configurando uma reiteração preocupante. Além disso, a decisão aponta potenciais conflitos de interesse na atuação do advogado: como defensor da N’Golo nas ações civis, Leite também atua como liderança política na defesa de Queimadas, participando de instâncias técnicas e grupos de trabalho que emitem pareceres contrários a projetos minerários na região. Esses pareceres impactam diretamente empreendimentos que prometem investimentos, empregos e contrapartidas sociais para o Serro, segundo documentos das empresas envolvidos nos processos.
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Os projetos em questão, como o Projeto Serro da Herculano Mineração, são apresentados pelas companhias como vetores de desenvolvimento regional. O empreendimento prevê um investimento estimado em 300 milhões de reais, com beneficiamento a seco de minério – sem a necessidade de barragens de rejeitos – e a geração de cerca de 1.500 postos de trabalho, entre diretos e indiretos. As empresas argumentam que financiam programas sociais, infraestrutura e parcerias com o poder público e comunidades do entorno, incluindo tradicionais.
No entanto, a N’Golo, por meio de Leite, contesta esses avanços, alegando violações a direitos territoriais e culturais das comunidades quilombolas, com base em relatórios antropológicos e análises multidisciplinares produzidas em parceria com a PUC Minas e o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).
Essa condenação insere-se em um histórico de tensões na região. Desde 2019, Leite tem sido alvo de ações judiciais movidas por mineradoras, como a Herculano, que tentaram inibir sua atuação em defesa de Queimadas – o que gerou notas de solidariedade de entidades como o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e a Associação de Advogadas e Advogados de Tradições Populares (Adatrap).
Naquele ano, movimentos populares denunciaram tentativas de intimidação contra o advogado durante audiências públicas e reuniões municipais. Leite, doutor em Teoria do Direito pela PUC Minas e líder do grupo de pesquisa “Luiz Gama: a superação das relações de opressão e exploração baseadas na raça”, é reconhecido por sua engajada defesa de territórios quilombolas, tendo coordenado projetos de extensão que resultaram em certificações da Fundação Palmares e relatórios para o Judiciário.
A Federação N’Golo, fundada para articular demandas de comunidades remanescentes de quilombos em Minas Gerais – estimadas em cerca de mil pelo presidente Jesus do Rosário Araújo –, ajuizou nos últimos anos pelo menos 34 ações civis contra órgãos públicos e empresas mineradoras, especialmente no Vale do Jequitinhonha e na região Central, focando em extração de lítio e outras obras.
Esses processos, muitos impulsionados por Leite, buscam a efetivação de direitos fundamentais à propriedade coletiva e à identidade cultural, conforme estudos produzidos pelo próprio advogado em sua dissertação de mestrado.
Para o juiz Flávio Bittencourt de Souza, a reiteração de condutas como as de Leite distorce o papel da advocacia e desnatura instrumentos jurídicos usados em nome da federação, priorizando ataques pessoais sobre argumentos técnicos. A defesa de Leite, por sua vez, invocou a imunidade profissional, mas a sentença rejeitou a tese, argumentando ausência de prejuízo concreto à defesa na audiência questionada e a extensão indevida da proteção legal a imputações criminosas falsas.
O episódio reacende discussões sobre os limites entre ativismo legítimo e excessos retóricos no Judiciário brasileiro, especialmente em contextos de conflito socioambiental. Comunidades quilombolas como Queimadas continuam a luta por reconhecimento territorial, enquanto projetos minerários prometem – e são contestados por – impactos econômicos e ambientais. Até o momento, não há pronunciamento oficial da N’Golo ou de Leite sobre a condenação, mas o caso monitora apelações em instâncias superiores.
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