Fake news jurídicas: como boatos legais afetam a sociedade?
Especialistas da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília (FPMB) explicam os riscos da desinformação e desmentem mitos comuns
O aumento da circulação de fake news jurídicas nas redes sociais acende um alerta entre especialistas. A distorção de informações legais, além de confundir o cidadão, pode comprometer direitos, manipular eleições e afetar reputações de forma irreversível. Quase 90% dos brasileiros admitem já terem acreditado em fake news. Segundo um levantamento do Instituto Locomotiva/A Agência Brasil, 8 em cada 10 brasileiros deram credibilidade a alguma notícia falsa, e 62% confiam em sua própria capacidade de diferenciar o falso do verdadeiro.
O professor da FPMB, Rodolfo Tamanaha, explica que fake news é mais do que uma notícia falsa, é um fenômeno complexo que envolve interesses e contextos. “Embora ainda não exista uma definição legal clara, seu impacto prático é visível e, muitas vezes, devastador”, afirma. Segundo ele, o contexto em que a informação é disseminada é crucial para entender as consequências jurídicas: “uma fake news usada em discurso político pode até ser tratada como retórica. Mas, em época de eleição, por exemplo, pode configurar ataque à integridade do processo democrático e ensejar responsabilização”, explica.
O professor também alerta para o uso da desinformação no mercado de consumo. “Quando um fornecedor mente sobre seu produto, estamos diante de um caso de responsabilidade. É fake news com consequência jurídica concreta”, conclui Rodolfo. Segundo o DataSenado, para 81% da população, plataformas digitais deveriam ser responsabilizadas por evitar a disseminação de notícias falsas.
Já o professor de Filosofia e Ética, Junio Cezar da Rocha Souza, também da FPMB, chama atenção para o poder destrutivo dos boatos legais: “a produção de falsidades é antiga. No livro de Gênesis, o mal surge de um ludíbrio. Hoje, as fakes news abalam estruturas sociais e institucionais, podendo levar à injustiça”. Ele relembra o caso do comerciante Jean Calas, condenado à morte no século XVIII com base em boatos falsos. “Voltaire usou esse episódio para escrever o Tratado sobre a Tolerância. Somente após sua morte provaram sua inocência. Isso mostra como a mentira pode custar vidas”.
Mitos e manchetes enganosas
O professor Rodolfo destaca ainda que muitos mitos jurídicos nascem de títulos sensacionalistas. “Às vezes, por busca de cliques, a manchete distorce uma decisão judicial ou uma lei. O leitor, muitas vezes, é induzido ao erro. Isso é gravíssimo, pois o Direito regula nossa conduta cotidiana”, aponta. Ele cita como exemplo o caso da Escola Base, nos anos 1990, em que denúncias não comprovadas levaram a uma cobertura midiática precipitada e à destruição da reputação dos donos da escola. “A investigação era necessária, claro. Mas a forma como a mídia tratou o caso causou prejuízos psicológicos, sociais e financeiros irreparáveis”, conclui.
Educação e postura crítica
Para combater a desinformação, ambos os especialistas apostam na educação e no ceticismo saudável. “A educação jurídica fortalece o discernimento sobre leis e reduz a propagação de boatos”, explica o professor Junio. “Uma sociedade bem informada é menos vulnerável à manipulação”, completa. O professor reforça que hoje é possível checar fontes oficiais com facilidade. “Com um celular, qualquer cidadão pode acessar diretamente os órgãos do Direito e verificar a veracidade de uma informação. A postura crítica não significa desacreditar tudo, mas questionar até chegar à verdade”, conclui o professor da FPMB.