Emendas paralelas e novo orçamento secreto: STF cobra explicações
Ministro Flávio Dino dá 10 dias para esclarecimentos sobre suposta manobra no Congresso que burlaria transparência em R$ 8,5 bilhões em emendas e R$ 3 bilhões no Ministério da Saúde
O Supremo Tribunal Federal (STF) colocou o Congresso Nacional e o governo federal sob pressão ao exigir, em 10 dias úteis, explicações sobre a suposta existência de “emendas de comissão paralelas” e um “novo Orçamento Secreto” no Ministério da Saúde. A decisão, assinada pelo ministro Flávio Dino, relator da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 854, foi motivada por denúncias de organizações como Transparência Brasil, Transparência Internacional Brasil e Associação Contas Abertas, que apontam manobras para driblar as exigências de transparência impostas pelo STF.
O caso reacende o debate sobre o controle político de recursos públicos e a rastreabilidade de emendas parlamentares, prática que já foi alvo de críticas no escândalo do chamado “orçamento secreto”.
Uma nova versão do orçamento secreto?
Segundo as entidades, o Congresso teria criado uma nova modalidade de emendas de comissão, apelidadas de “paralelas”, que somam R$ 8,5 bilhões no Orçamento da União de 2025. Essas emendas, diferente das tradicionais, não recebem o identificador RP 8, que marca despesas discricionárias de comissões permanentes, mas sim os códigos RP 2 (despesas discricionárias do Executivo) e RP 3 (despesas do Novo PAC). Essa mudança, conforme as ONGs, dificulta o rastreamento dos recursos, misturando-os aos gastos gerais do governo federal e violando determinações do STF para maior transparência.
A manobra teria sido viabilizada pela Instrução Normativa nº 1/2024 da Comissão Mista de Orçamento (CMO), que permitiu ao relator-geral do orçamento, senador Angelo Coronel (PSD-BA), decidir quais emendas seriam classificadas como RP 8. Das 335 emendas de comissão aprovadas, apenas 20, totalizando R$ 11,5 bilhões, receberam essa identificação. Outras 311, somando R$ 4,5 bilhões, foram marcadas como RP 2, e quatro, no valor de R$ 4 bilhões, como RP 3. Com isso, o volume total de emendas de comissão atingiu R$ 20 bilhões, o maior desde 2020, segundo a Transparência Brasil.
“É a primeira vez em quatro anos que essa prática aparece nas comissões. Essas emendas paralelas configuram uma nova versão do orçamento secreto, contrariando frontalmente as decisões do STF”, afirmou a Transparência Brasil em manifestação ao STF. Órgãos como o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) e o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), frequentemente usados para direcionar emendas com interesses políticos, estão entre os principais destinatários desses recursos.
Suspeitas no Ministério da Saúde
Além das emendas paralelas, as entidades denunciaram a possibilidade de um “novo orçamento secreto” no Ministério da Saúde, com base em uma reportagem do UOL publicada em 16 de maio de 2025. Segundo a jornalista Natália Portinari, parlamentares estariam indicando diretamente como e onde gastar pelo menos R$ 3 bilhões do orçamento da pasta, em um esquema que não utiliza emendas formais, mas “extras” negociados politicamente. Esses repasses, segundo as ONGs, favorecem aliados do governo em votações no Congresso, configurando uma burla às decisões do STF que exigem transparência nas emendas parlamentares.
O Ministério da Saúde, em nota, afirmou que “todos os projetos e destinações de recursos seguem critérios técnicos previamente definidos e são objeto de transparência ativa”. A pasta destacou que as liberações de recursos dependem de análise rigorosa e dotação orçamentária, mas não respondeu diretamente às acusações de indicações políticas.
Reações e pedidos ao STF
As organizações pediram ao STF a suspensão imediata da execução dos R$ 8,5 bilhões em emendas paralelas, alegando sua “evidente ilegalidade”. Também solicitaram a abertura de um inquérito para investigar as denúncias no Ministério da Saúde, com a intimação de todos os envolvidos. Além disso, requereram que o Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI) apresente planos para adequar o Cadastro Integrado de Projetos de Infraestrutura (CIPI), visando torná-lo uma ferramenta eficaz de controle social.
A prática do “rateio” também foi alvo de críticas. Essa estratégia, observada em 2024, consiste na pulverização de recursos de uma única emenda para dezenas de municípios ou instituições, sem critérios claros. Um exemplo citado é a bancada de Goiás, que destinou R$ 92 milhões a um projeto genérico de “desenvolvimento sustentável”, usado para ações desconexas como compra de microtratores e kits de costura.
Contexto político e histórico
O caso remete ao orçamento secreto, revelado pelo Estadão em 2021, que consistia em emendas de relator (RP 9) sem transparência sobre os beneficiários. Em 2022, o STF declarou o mecanismo inconstitucional, exigindo maior rastreabilidade. Desde então, o Congresso tem buscado alternativas, como as emendas de comissão (RP 8), que ganharam relevância após o fim das emendas de relator. Em 2023, por exemplo, essas emendas saltaram de R$ 329,4 milhões para R$ 6,9 bilhões, segundo o G1.
Recentemente, Flávio Dino já havia suspendido o pagamento de R$ 4,2 bilhões em emendas de comissão em dezembro de 2024, após o PSOL apontar irregularidades. A decisão, conforme postagens no X, também determinou a abertura de inquérito pela Polícia Federal para investigar possíveis desvios. Contudo, no final de 2024, Dino liberou parte dessas emendas, incluindo as destinadas à saúde, para evitar insegurança jurídica, segundo a CNN Brasil.
Impactos e perspectivas
A falta de transparência nas emendas parlamentares tem gerado críticas de especialistas e da sociedade civil. “Essas emendas têm alto risco político, pois são direcionadas para ações genéricas, dificultando o controle social”, afirmou Marina Atoji, da Transparência Brasil, em entrevista à CBN. O aumento do volume de emendas de comissão, que passou de R$ 11,5 bilhões para R$ 20 bilhões com as “paralelas”, reforça a influência do Congresso sobre o orçamento federal, em detrimento de políticas públicas planejadas.
O prazo de 10 dias dado por Dino, que se encerra em meados de junho de 2025, será decisivo para esclarecer se houve irregularidades. A pressão das entidades e a atuação do STF sinalizam um esforço para coibir práticas que comprometam a transparência. Enquanto isso, o tema segue gerando debates acalorados, com parlamentares defendendo as emendas como forma de atender demandas locais, e críticos apontando o risco de uso político.
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