EDITORIAL: O declínio da hegemonia católica: a ascensão evangélica e os desafios do futuro do catolicismo
A transição religiosa global e os rumos da Igreja Católica em meio a divisões internas e a eleição do novo Papa
Nos últimos 50 anos, a paisagem religiosa global passou por transformações profundas, com a Igreja Católica, outrora uma força hegemônica em diversas regiões do mundo, enfrentando um declínio significativo em sua influência. No Brasil, o maior país católico do mundo, a ascensão meteórica das igrejas evangélicas, especialmente as pentecostais e neopentecostais, tem reconfigurado o cenário religioso, desafiando séculos de domínio católico. Este artigo explora as razões por trás do "derretimento" da hegemonia católica, os fatores que impulsionam o crescimento evangélico, os rachas internos que fragilizam a Igreja Católica, os impactos potenciais da eleição do novo papa e as perspectivas para o futuro do catolicismo, tanto no Brasil quanto globalmente.
A erosão da hegemonia Católica no Brasil
O Brasil, historicamente moldado pela Igreja Católica desde a chegada de Pedro Álvares Cabral em 1500, viu sua paisagem religiosa mudar drasticamente nas últimas décadas. Dados do Datafolha de 2020 indicam que apenas 50% da população brasileira se declarava católica, uma queda expressiva em relação aos 92% registrados em 1970. Em contrapartida, os evangélicos já representavam 31% da população, com projeções apontando que, até 2032, o evangelicalismo ultrapassará o catolicismo em número de fiéis.
Essa transição religiosa é impulsionada por múltiplos fatores. Primeiro, a urbanização e o desenraizamento de populações rurais para periferias urbanas criaram um vácuo que a Igreja Católica não conseguiu preencher. A escassez de padres — com apenas 22,5 mil presbíteros para 12,6 mil paróquias no Brasil — e o clericalismo centralizado dificultaram a presença católica em áreas de expansão demográfica. Enquanto isso, as igrejas evangélicas, com sua abordagem dinâmica, cultos vibrantes e forte engajamento comunitário, conquistaram fiéis em busca de uma espiritualidade mais acessível e emocional.
Além disso, o discurso evangélico, especialmente o da teologia da prosperidade, ressoa com as aspirações de mobilidade social em um contexto capitalista, algo que a ética católica, historicamente crítica ao capitalismo, não conseguiu acompanhar. Como apontou Max Weber, a ética protestante alinha-se mais facilmente aos valores do capitalismo moderno, o que explica, em parte, a afinidade do evangelicalismo com as periferias urbanas.
Os escândalos de pedofilia também abalaram a credibilidade da Igreja Católica, especialmente na América Latina e na Europa, onde a confiança na instituição foi corroída. No Brasil, embora a Igreja mantenha uma rede robusta de paróquias e bispos (o maior episcopado do mundo, com 490 bispos), a percepção de rigidez hierárquica e conservadorismo antimoderno afastou muitos fiéis, particularmente os jovens.
O crescimento evangélico: um fenômeno Global
O avanço evangélico não é exclusividade do Brasil. Na América Latina, o percentual de católicos caiu de 92% em 1970 para 59% em 2017, enquanto os evangélicos cresceram para 19%. Na África e na Ásia, onde o catolicismo busca novos fiéis para compensar perdas no Ocidente, as igrejas pentecostais também ganham terreno, oferecendo uma espiritualidade carismática e adaptada às realidades locais. A Guatemala, por exemplo, já tem um presidente evangélico, e na Costa Rica, líderes evangélicos disputam espaço político.
Globalmente, o pentecostalismo atrai por sua flexibilidade doutrinária, ênfase em experiências espirituais diretas (como curas e exorcismos) e capacidade de se inserir na política e nos negócios. No Brasil, a influência evangélica na política cresceu exponencialmente, com a eleição de Jair Bolsonaro em 2018 marcando um divisor de águas. Bolsonaro, que se aproximou tanto de católicos quanto de evangélicos, simbolizou a ascensão de uma "bancada da Bíblia" que une valores conservadores cristãos.
Rachas internos na Igreja Católica: Conservadores versus Progressistas
A Igreja Católica enfrenta não apenas pressões externas, mas também divisões internas que enfraquecem sua coesão. Durante o pontificado de João Paulo II e Bento XVI, que juntos governaram por 34 anos, a Igreja adotou uma linha conservadora, enfatizando doutrinas tradicionais e resistindo a mudanças modernizantes. Essa postura, segundo o frade dominicano Frei Betto, contribuiu para a evasão de fiéis, que buscaram nas igrejas evangélicas um cristianismo mais dinâmico.
O Papa Francisco, por outro lado, tentou reposicionar a Igreja com uma agenda mais progressista, pedindo uma "deselitização" e maior proximidade com os pobres. Sua ênfase na justiça social, no diálogo inter-religioso e em questões como o meio ambiente (como no Sínodo da Amazônia) gerou resistência entre setores conservadores do clero e dos fiéis. Nos Estados Unidos e na Europa, bispos conservadores criticaram abertamente as reformas de Francisco, enquanto na América Latina, a ala carismática católica, inspirada por práticas pentecostais, ganhou força, mas não o suficiente para estancar a perda de fiéis.
Essas tensões expõem um déficit democrático interno, como apontado em análises do Concílio Vaticano II, que buscou modernizar a Igreja, mas cujas reformas foram parcialmente revertidas por pontificados conservadores. A restrição à livre investigação teológica e a centralização do poder no Vaticano continuam a alienar setores progressistas, enquanto o conservadorismo afasta os que buscam uma Igreja mais alinhada com a modernidade.
A eleição do novo Papa: um ponto de inflexão?
Com a morte de Francisco, a eleição do novo papa, marcada para ocorrer na Capela Sistina a partir de 7 de maio de 2025, será um momento decisivo. O próximo pontífice herdará uma Igreja fragmentada, com desafios que incluem a perda de fiéis, a escassez de vocações sacerdotais e a crescente polarização política e ideológica. O perfil do novo papa — se conservador, progressista ou conciliador — terá impactos profundos.
Um papa conservador pode reforçar doutrinas tradicionais, mas corre o risco de aprofundar a evasão de fiéis em regiões como a América Latina, onde a competição com os evangélicos é feroz. Por outro lado, um papa progressista, que avance em reformas como a ordenação de mulheres ou a revisão do celibato, poderia revitalizar a Igreja, mas enfrentaria resistência interna e alienação de fiéis conservadores.
No Brasil, o novo papa terá de lidar com a polarização entre católicos e evangélicos, agravada por uma "polaridade ideológica" que distancia as duas comunidades. A escolha de um líder que priorize o diálogo ecumênico, como sugerido por Francisco, pode ajudar a reduzir tensões, mas a Igreja precisará investir em estratégias práticas, como o fortalecimento da Renovação Carismática Católica, que já atrai 58% dos católicos brasileiros com práticas inspiradas no pentecostalismo.
Perspectivas para o futuro do Catolicismo
As perspectivas para o catolicismo são complexas, mas há caminhos possíveis. No Brasil, a Igreja Católica precisa superar sua "passividade" histórica e adotar um modelo mais proativo. Como sugeriu o teólogo Moraes, a Igreja deve "produzir um catolicismo mais eficaz", chamando os fiéis à responsabilidade e engajando-se mais nas questões comunitárias. A presença de "clérigos influencers", como padres que utilizam redes sociais para evangelizar, é um passo nessa direção, mas ainda insuficiente para reverter o declínio.
Globalmente, a Igreja tem apostado no crescimento em regiões como a África, onde a população católica aumentou 3,31% entre 2022 e 2023, e a Ásia, onde acordos com países como a China abrem novas frentes de evangelização. No entanto, esses mercados enfrentam desafios, como a conversão de fiéis com práticas culturais distintas (como a poligamia na África) e a competição com o islamismo e o pentecostalismo.
Outra possibilidade é o que alguns teólogos chamam de "bater no teto" do crescimento evangélico. No Brasil, há sinais de que o avanço evangélico pode estar desacelerando, com o aumento dos "desigrejados" — evangélicos que abandonam igrejas institucionais, representando 9,2 milhões de brasileiros em 2010. Isso abre uma oportunidade para a Igreja Católica reconquistar fiéis, desde que adapte sua abordagem litúrgica e pastoral.
Um futuro incerto, mas com potencial de renovação
A hegemonia católica, que moldou a história do Brasil e de outras regiões por séculos, está em declínio, desafiada pelo dinamismo das igrejas evangélicas e pelas próprias fragilidades internas da Igreja Católica. Os rachas entre conservadores e progressistas, aliados à dificuldade de se adaptar à modernidade, agravaram a crise. A eleição do novo papa será um momento crucial, que poderá determinar se a Igreja seguirá um caminho de renovação ou de maior retração.
Para sobreviver e prosperar, o catolicismo precisa se reinventar: investir em uma evangelização mais próxima dos fiéis, dialogar com a modernidade sem perder sua identidade e superar divisões internas. No Brasil, onde a Igreja ainda mantém uma capilaridade única, com 12,6 mil paróquias, há espaço para uma revitalização, mas isso exigirá coragem e visão estratégica. O futuro do catolicismo dependerá de sua capacidade de se adaptar a um mundo em rápida transformação, onde a fé é cada vez mais plural e competitiva.
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