Descarte de vapes apreendidos: o dilema ambiental que o Brasil não consegue resolver
Receita Federal incinera dispositivos eletrônicos sem protocolo específico, desperdiçando componentes recicláveis e expondo falhas no sistema de gestão de resíduos
Em uma operação digna de filme de ação, quatorze carretas escoltadas por 20 viaturas percorreram 250 quilômetros no último dia 31 de outubro de 2024, transportando R$ 130 milhões em mercadorias apreendidas na fronteira. Entre os produtos confiscados, R$ 43,9 milhões correspondiam a cigarros e dispositivos eletrônicos para fumar (DEFs), popularmente conhecidos como vapes.
Enquanto os cigarros convencionais têm destino certo - com tabaco transformado em adubo e componentes reciclados -, os cigarros eletrônicos enfrentam um destino menos nobre. Segundo informações exclusivas, não existe um protocolo padronizado para a destruição desses dispositivos, proibidos no Brasil desde 2009.
"Enquanto não vislumbramos uma solução SUSTENTÁVEL para os cigarros eletrônicos apreendidos, eles são enviados para INCINERAÇÃO", afirmou a assessoria da Receita Federal, em resposta oficial ao site O Joio e o Trigo, especializado em reportagens especiais sobre o setor de alimentos e meio ambiente. As informações desse texto são da reportagem especial sobre o tema (CLIQUE AQUI para conferir na íntegra).
A situação é ainda mais alarmante quando consideramos o volume: somente na Operação Fronteira RFB foram apreendidas 167 mil unidades de cigarros eletrônicos, avaliadas em R$ 4,9 milhões.
Impacto ambiental crescente
O cenário se agravou com uma nova apreensão em dezembro de 2024, quando meio milhão de vaporizadores foram interceptados no Porto de Santos. Desde outubro, quando novas regras de controle aduaneiro entraram em vigor, 1,4 milhão de dispositivos foram apreendidos, junto com cerca de 100 mil tubos de refil, totalizando R$ 150 milhões em mercadorias.
"É um tema muito novo, e estamos tentando implementar as provisões do tratado que dizem respeito a isso, mas os encaminhamentos ainda estão em debate", explica a médica sanitarista Vera Luiza da Costa e Silva, secretária-executiva da Conicq.
Descarte inadequado
Os números são ainda mais preocupantes quando consideramos as estatísticas globais: apenas 17% dos aparelhos descartados entram em cadeias de reciclagem. No Brasil, a situação é ainda pior, com taxas de reciclagem de lixo eletrônico não ultrapassando 3%, segundo o relatório das Nações Unidas.
Eduardo Rocha, diretor do Departamento de Gestão de Resíduos do Ministério do Meio Ambiente, aponta que o maior obstáculo é financeiro: "Quem arca com o custo do descarte adequado? Prendemos a pessoa, mas ela não tem condições de pagar nem para sair da prisão, quanto mais pelo destino do resíduo. Esse ônus recai sobre o poder público."
Responsabilidade compartilhada
A situação expõe uma lacuna na legislação ambiental brasileira. Embora a Política Nacional de Resíduos Sólidos estabeleça a responsabilidade compartilhada entre fabricantes, distribuidores e consumidores, a gestão de resíduos de produtos proibidos permanece em um limbo regulatório.
As empresas especializadas em reciclagem de eletrônicos, como a Green Eletron, sequer aceitam estes dispositivos, alegando que "os cigarros eletrônicos não são homologados no Brasil". O dilema se estende às iniciativas de conscientização: como educar sobre o descarte correto de um produto cuja comercialização é proibida?
Enquanto o debate sobre a regulamentação dos vapes continua, toneladas de dispositivos eletrônicos são incinerados sem aproveitamento de seus componentes, contribuindo para uma crescente crise ambiental que o Brasil ainda não encontrou meios de resolver.