Defesa de Cabral pede anulação de atos de Bretas após aposentadoria compulsória do ex-juiz
Ex-governador do Rio busca invalidar decisões do magistrado que conduziu a Lava Jato fluminense, após CNJ aplicar pena máxima por condutas abusivas e parciais
Em uma nova movimentação jurídica com potencial para redefinir o legado da Operação Lava Jato no Rio de Janeiro, a defesa do ex-governador Sérgio Cabral protocolou, nesta segunda-feira (23), um pedido ao Supremo Tribunal Federal (STF) para anular todos os atos processuais conduzidos pelo ex-juiz federal Marcelo Bretas. A solicitação, fundamentada na recente decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que condenou Bretas à aposentadoria compulsória, foi encaminhada ao ministro Gilmar Mendes, relator de um processo em tramitação desde 2023.
O requerimento da defesa de Cabral argumenta que as irregularidades cometidas por Bretas, apontadas pelo CNJ, comprometem a validade de decisões judiciais tomadas no âmbito da Lava Jato fluminense, incluindo a Operação Calicute, que culminou na prisão do ex-governador em novembro de 2016. Os advogados reiteram a tese, já apresentada anteriormente, de que as investigações contra Cabral deveriam ter sido conduzidas pela Justiça Eleitoral, e não pela Justiça Federal, devido à inclusão de supostos repasses de R$ 2 milhões ao MDB, partido do ex-governador à época, na denúncia.
A decisão do CNJ, tomada por unanimidade em 3 de junho de 2025, determinou a aposentadoria compulsória de Bretas, a pena máxima aplicável pelo órgão, após a análise de três processos administrativos disciplinares. O Conselho identificou desvios graves na conduta do magistrado, como parcialidade, abuso de autoridade e manipulação de competência para assegurar o controle de ações penais, especialmente aquelas relacionadas a Sérgio Cabral. Um dos elementos centrais da condenação foi uma gravação em que Bretas discute com o advogado Nythalmar Dias Ferreira Filho e um procurador da força-tarefa da Lava Jato sobre a confissão do empresário Fernando Cavendish, usada para reforçar a conexão entre as operações Saqueador e Calicute. O CNJ considerou que tais tratativas, realizadas com um advogado sem procuração nos autos, evidenciam conluio e afronta ao princípio da imparcialidade judicial.
A defesa de Cabral solicita a nulidade de todos os atos processuais praticados por Bretas, incluindo homologações de delações premiadas, medidas cautelares (como prisões preventivas e bloqueios de bens) e decisões probatórias. Caso o STF acolha o pedido, o impacto pode ser significativo, potencialmente anulando condenações e reabrindo processos em outras varas judiciais. Patrícia Proetti, uma das advogadas de Cabral, afirmou que a decisão do CNJ reforça a luta para corrigir “atrocidades processuais” cometidas durante a Lava Jato, destacando a importância de resguardar os direitos fundamentais.
Contexto da Operação Lava Jato no Rio
A Operação Lava Jato no Rio de Janeiro, conduzida por Bretas a partir de 2015, foi marcada por ações de grande repercussão, como a prisão de Cabral, do ex-presidente Michel Temer (MDB) e do empresário Eike Batista. Cabral, governador do Rio entre 2007 e 2014, foi acusado de liderar um esquema de corrupção que envolveu o desvio de centenas de milhões de reais, com propinas cobradas de empreiteiras em grandes contratos públicos. Ao todo, ele foi condenado em 22 processos julgados por Bretas, com penas que, em seu ápice, ultrapassaram 400 anos de prisão. Atualmente, após anulações e revisões, as penas somam cerca de 274 anos, e Cabral enfrenta 33 processos criminais, 32 deles derivados da Lava Jato.
Desde 2021, no entanto, a Lava Jato fluminense tem enfrentado reveses. Diversos processos foram retirados da 7ª Vara Federal Criminal, comandada por Bretas, por decisões do STF que questionaram a competência do juiz para julgar casos fora do escopo inicial da operação, como aqueles envolvendo a Secretaria de Saúde do Rio. Em 2024, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) anulou três condenações de Cabral nas operações Unfair Play, Ratatouille e C’est Fini, reduzindo sua pena em 40 anos e meio. Essas decisões reforçam a argumentação da defesa de que Bretas extrapolou suas atribuições judiciais.
Repercussões Jurídicas e Políticas
O pedido de anulação dos atos de Bretas gerou reações no meio jurídico e político. O senador Sérgio Moro (União Brasil-PR), ex-juiz da Lava Jato em Curitiba, manifestou apoio a Bretas em postagens no X, classificando a decisão do CNJ como injusta e sem provas robustas. “O sistema protege bandidos e pune quem faz Justiça”, escreveu o parlamentar, ecoando críticas de apoiadores da Lava Jato.
Por outro lado, especialistas em direito administrativo e penal, citados em reportagens da Folha de S.Paulo e do Jornal de Brasília, destacaram que a decisão do CNJ foi baseada em evidências sólidas, incluindo áudios e delações que comprovam a conduta irregular de Bretas. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) também anunciou, em 17 de junho, a abertura de um processo para cassar o registro profissional de Bretas como advogado, com base nas irregularidades apontadas pelo Conselho.
No cenário político, a situação de Cabral permanece complexa. Apesar de estar em liberdade desde dezembro de 2022, quando a Segunda Turma do STF revogou sua prisão preventiva por excesso de prazo, ele segue usando tornozeleira eletrônica e está inelegível devido à Lei da Ficha Limpa, que impede candidaturas de condenados em segunda instância. Cabral mantém contatos políticos e chegou a declarar, em 2024, que prestou consultoria a candidatos nas eleições municipais, mas sua intenção de retornar à vida pública enfrenta obstáculos jurídicos significativos.
Impactos na reavaliação da Lava Jato
O pedido da defesa de Cabral insere-se em um contexto mais amplo de revisão das práticas da Operação Lava Jato. Nos últimos anos, decisões do STF têm questionado a legalidade de métodos empregados pela força-tarefa, como o uso de delações premiadas e a condução de processos por juízes considerados incompetentes. Em 2021, por exemplo, o ministro Ricardo Lewandowski declarou a nulidade de provas oriundas do acordo de leniência da Odebrecht, decisão posteriormente ampliada por Dias Toffoli para outros casos. Essas determinações já resultaram na anulação de condenações contra figuras como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-governador do Paraná Beto Richa.
No caso de Cabral, a eventual anulação dos atos de Bretas não eliminaria todo o seu passivo penal. Ele possui duas condenações não relacionadas ao ex-juiz: uma proferida por Sérgio Moro, confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), sobre corrupção no Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), e outra pelo Tribunal de Justiça do Rio, por uso abusivo de helicópteros estaduais. Essas sentenças, por si só, mantêm a inelegibilidade do ex-governador.
Perspectivas Futuras
O pedido protocolado no STF ainda aguarda análise do ministro Gilmar Mendes, cujo histórico de decisões críticas à Lava Jato pode influenciar o desfecho. Juristas consultados por veículos como o G1 e o O Globo avaliam que, caso o Supremo acolha a solicitação, o precedente poderá afetar outros réus condenados por Bretas, ampliando o impacto sobre a operação no Rio. Contudo, a redistribuição dos processos a outros juízes não garante a absolvição de Cabral, já que atos processuais válidos, como depoimentos e provas não contaminadas, podem ser reaproveitados.
Enquanto o STF não decide, o caso segue gerando debates sobre o equilíbrio entre o combate à corrupção e o respeito ao devido processo legal. Para a defesa de Cabral, a condenação de Bretas pelo CNJ é uma oportunidade de corrigir injustiças processuais. Para críticos da revisão da Lava Jato, como Moro, trata-se de um retrocesso na luta contra a impunidade. O desfecho desse embate jurídico será determinante para o futuro de Cabral e para a percepção pública sobre a operação que marcou a política brasileira na última década.
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