Cerceamento de defesa: o alerta de Fux contra o risco de um “não-processo”
Por Marcelo Aith*
No julgamento do dia 10 de setembro, o ministro Luiz Fux fez duras críticas à condução de uma ação penal no Supremo Tribunal Federal (STF), apontando violações ao direito de defesa que, segundo ele, comprometem a legitimidade de todo o processo. Em tom contundente, afirmou que a restrição ao contraditório e à ampla defesa gera nulidades insanáveis e converte o processo em um simulacro, um “não-processo”.
O voto, pela sua força retórica, causou espanto no mundo jurídico. Não apenas pelo mérito — afinal, a defesa é cláusula pétrea da Constituição — mas também pelo contraste com decisões anteriores do próprio ministro em casos criminais de menor repercussão.
Fux foi categórico: sem juiz competente e sem defesa plena, não há processo penal legítimo. O que se produz é um rito vazio, incapaz de atender às exigências de um Estado Democrático de Direito. A advertência toca em ponto sensível: julgamentos céleres, porém desidratados de garantias, podem ser eficazes para produzir condenações, mas não para sustentar a confiança da sociedade no sistema de Justiça.
O raciocínio é claro: a defesa não é obstáculo, mas condição da legitimidade. Sem contraditório efetivo, o processo não cumpre sua função democrática de equilibrar forças entre acusação e acusado.
No voto, o ministro destacou práticas que, a seu ver, inviabilizaram a plena defesa: prazos exíguos para manifestações, incompatíveis com a complexidade dos autos; negativa de produção de provas relevantes, capazes de alterar a versão dos fatos; uso de provas emprestadas de inquéritos conexos, sem contraditório específico.
Cabe destacar que esses pontos violam o artigo 5º, inciso LV, da Constituição, que assegura a ampla defesa, além de tratados internacionais ratificados pelo Brasil, como a Convenção Americana de Direitos Humanos. O direito de preparar adequadamente a defesa, com tempo e meios suficientes, é obrigação estatal e não mera formalidade.
A contundência de Fux surpreendeu também porque contrasta com seu histórico em julgamentos de furtos de pequeno valor. Nos últimos anos, o ministro acompanhou a linha mais rigorosa da Corte ao negar a aplicação do princípio da insignificância em casos de furtos de produtos básicos em supermercados e farmácias — desodorantes, fraldas, alimentos.
Nesses processos, o STF sustentou que, mesmo diante de prejuízo econômico mínimo, a reincidência impediria o reconhecimento da atipicidade. Assim, réus pobres e reincidentes foram julgados com extrema severidade, ainda que em delitos ligados à sobrevivência.
Um caso emblemático ocorreu em 2019, em Nova Lima (MG). Um homem foi preso por furtar cinco desodorantes avaliados em R$ 69,95. Os produtos foram recuperados e devolvidos, mas a defesa pleiteou a insignificância. O pedido foi negado por Fux, que destacou a “contumácia delitiva” do réu. A mensagem foi clara: não há espaço para indulgência, mesmo em pequenos furtos famélicos.
A questão que surge é inevitável: por que o mesmo rigor não se aplica, com igual intensidade, aos processos de grande envergadura política e institucional?
Esse contraste expõe um paradoxo. Quando o réu é um cidadão comum, o STF aplica a lei com dureza e nega flexibilizações. Mas quando o processo envolve ex-autoridades políticas, as próprias garantias constitucionais parecem negociáveis em nome da eficiência processual.
Assim, a incoerência mina a autoridade do tribunal. O Supremo, guardião último da Constituição, não pode ser visto como rigoroso com os vulneráveis e complacente com os poderosos. A defesa plena deve valer para todos, em todos os processos. A seletividade corrói a legitimidade da Corte e alimenta o discurso de que a Justiça tem pesos e medidas distintos.
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