Celular formatado, cofre aberto e TV ligada; os bastidores da chegada da PF na casa do governador afastado do Tocantins
Indícios de propina, lavagem de dinheiro e fraudes em contratos de cestas básicas abalam o Palácio Araguaia: o que revelam as buscas da PF e as reações dos envolvidos?
No dia 3 de setembro de 2025, quando os relógios marcavam exatamente 6h da manhã, agentes da Polícia Federal (PF) bateram à porta da residência oficial do governador do Tocantins, Wanderlei Barbosa (Republicanos), em Palmas. O objetivo era claro: cumprir mandados de busca e apreensão expedidos pelo ministro Mauro Campbell, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), e notificar o chefe do Executivo sobre seu afastamento temporário do cargo por seis meses. Essa ação marcou o início da segunda fase da Operação Fames-19, uma investigação que apura suspeitas de corrupção, organização criminosa, lavagem de dinheiro e peculato, focada em desvios de recursos públicos destinados à compra de cestas básicas e frangos congelados durante o auge da pandemia de Covid-19, entre 2020 e 2021.
De acordo com relatórios da PF, obtidos pelo blog de Fausto Macedo no Estadão, o esquema teria movimentado mais de R$ 97 milhões em contratos fraudulentos, com prejuízo estimado em R$ 73 milhões aos cofres públicos do estado. Os recursos, em grande parte oriundos de emendas parlamentares estaduais, seriam desviados por meio de licitações dirigidas a empresas de fachada controladas por parlamentares e agentes públicos. A Secretaria de Trabalho e Desenvolvimento Social (Setas), na época sob influência política do então vice-governador Wanderlei Barbosa, é apontada como epicentro das irregularidades. A operação, cujo nome alude à fome (”fames”, em latim) agravada pela pandemia (o “19”), já havia tido sua primeira fase deflagrada em agosto de 2024, com 42 mandados de busca e apreensão.
Na residência do governador, os agentes foram recebidos apenas por dois policiais militares da segurança pessoal de Barbosa. O imóvel, descrito como o endereço principal do casal formado por Wanderlei Barbosa e a primeira-dama Karynne Sotero Campos, chamou atenção pela ausência dos moradores. Os seguranças prestaram depoimentos divergentes ao delegado Diego Guimarães Teles Franco, da Delegacia de Repressão a Corrupção e Crimes Financeiros (Delecor) da Superintendência da PF em Palmas, que coordenou a ação. Um deles afirmou ter visto o governador pela última vez na manhã anterior; o outro, à noite, durante uma sessão de fisioterapia por volta das 22h.
As buscas revelaram indícios que intensificaram as suspeitas. No quarto da filha do governador, a luz estava acesa, a televisão ligada e um prato de comida intacto repousava sobre a penteadeira. Na cozinha, um cofre embutido em um móvel planejado estava aberto e vazio. Na suíte principal, um celular carregava sobre a mesa de cabeceira, mas havia sido reinicializado para o modo de fábrica, com todos os dados apagados. Mais revelador ainda: em um fundo falso no armário do banheiro, os federais encontraram R$ 52 mil em notas de R$ 100, amarrados com ligas de borracha derretidas, sugerindo que o dinheiro estava escondido há longo tempo.
O relatório da PF, encaminhado ao STJ, é categórico: “A ocultação de valores em espécie, notadamente em locais não convencionais como no caso em tela, pode configurar um ato de lavagem de dinheiro, considerando os crimes antecedentes que os suspeitos são investigados”. O documento prossegue: “A alegação de ocultar o dinheiro por mera segurança contra roubos e furtos, em local altamente vigiado pelo policiamento do Estado, com policiais dentro e fora da residência, não parece razoável. Acrescento o fato de o cofre da residência (escondido na cozinha) não ter sido utilizado para guardar o numerário, mas sim um fundo falso em uma gaveta do banheiro da suíte do casal, circunstância que pode robustecer o dolo de ocultação de valores provenientes de fonte não declarada”.
As ações da PF não se limitaram à casa oficial. Na mesma manhã, buscas foram realizadas na Pousada Pedra Canga, em Taquaruçu, um empreendimento de luxo avaliado em R$ 6,3 milhões, supostamente construído com propinas desviadas. O imóvel está registrado em nome de Rérison Antonio Castro Leite, filho do governador e superintendente do Sebrae Tocantins, mas investigações apontam contribuições de Wanderlei Barbosa e de seu outro filho, o deputado estadual Léo Barbosa (Republicanos), totalizando mais de R$ 2,4 milhões entre junho de 2022 e julho de 2023. Os agentes também vasculharam os gabinetes de Barbosa e Karynne Sotero no Palácio Araguaia, sede do Executivo estadual, além de três propriedades rurais ligadas à família.
Foi em uma delas, a Fazenda Santa Helena, em Aparecida do Rio Negro (a 70 km de Palmas), com criação de mais de 1.300 cabeças de gado, que o casal foi localizado. Eles ocupavam uma suíte, com as chaves do lado de fora da porta. “Chamou a atenção da equipe o fato de o casal já estar acordado, e vestido com roupas do uso diário, sem as feições normalmente encontradas em quem é despertado repentinamente. Os investigados informaram que haviam recebido minutos antes ligação do chefe de segurança da residência do governador, informando acerca da chegada de equipe policial, motivo pelo qual já estavam despertos”, relatou a PF.
Um vaqueiro local contradisse a versão, afirmando que visitas à fazenda ocorriam em média uma vez por mês, e que Barbosa chegara por volta da meia-noite do dia 3. No carro do governador, cabides com roupas da lavanderia espalhados no chão e suprimentos excessivos no porta-malas – como remédios, cremes e secador de cabelo – reforçaram a percepção de um deslocamento precipitado.
Outras propriedades também foram alvos. Em uma chácara no povoado de Campo Alegre, em Paranã (350 km de Palmas), um caseiro negou ligação com Barbosa, mas fotos do casal, um quadro retratando-os e itens pessoais como uma faca e um copo térmico com o nome do governador foram encontrados. Na Chácara Jardim dos Ipês, nos arredores de Palmas, um imóvel de luxo com deck até o Rio Tocantins apresentou documentos vinculando Barbosa ao empreendimento. No gabinete de Karynne Sotero, ex-secretária extraordinária de Participações Sociais, não havia objetos pessoais ou eletrônicos, apenas anotações e planilhas sobre distribuição de cestas básicas. Todo o material apreendido está sob perícia.
A operação atingiu também a Assembleia Legislativa do Tocantins (Aleto), com buscas em gabinetes de dez deputados: Amélio Cayres (presidente da Casa, sem partido especificado no momento), Claudia Lelis, Cleiton Cardoso, Ivory de Lira, Jorge Frederico, Léo Barbosa, Nilton Franco, Olyntho Neto, Valdemar Júnior e Vilmar de Oliveira. A PF alega que esses parlamentares receberam propinas de distribuidoras de alimentos em troca de direcionar R$ 38 milhões em emendas para entidades controladas por eles mesmos. A Aleto emitiu nota oficial: “A Assembleia Legislativa do Estado do Tocantins (Aleto) informa que prestou nesta quarta-feira, 3, colaboração total e irrestrita ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e à Polícia Federal (PF), no cumprimento integral das determinações contidas em dez mandados de busca e apreensão, com a devida disponibilização de todos os equipamentos, documentos e informações solicitados. Informa ainda que a Procuradoria Geral da Casa não teve acesso aos autos, portanto, desconhece-se o que motivou a expedição dos referidos mandados. Além disso, a Aleto não foi intimada de nenhuma decisão judicial relacionada ao caso”.
A segunda fase da Operação Fames-19 mobilizou mais de 200 policiais federais, cumprindo 51 mandados de busca e apreensão em Palmas, Araguaína (TO), Distrito Federal, João Pessoa (PB) e Imperatriz (MA). A decisão de afastamento de Wanderlei Barbosa e Karynne Sotero foi ratificada pela Corte Especial do STJ no mesmo dia, em sessão com os 15 ministros mais antigos do tribunal. Enquanto o afastamento vigora, o vice-governador Laurez Moreira (PSD) assume o comando do estado, em um Tocantins que já viu quatro governadores afastados judicialmente desde sua criação em 1988.
Atualizações recentes, divulgadas por veículos como Folha de S.Paulo, G1 e Gazeta do Cerrado, reforçam a profundidade das apurações. Áudios interceptados pela PF, revelados pelo Metrópoles em 16 de setembro, mostram diálogos entre investigados discutindo o “esquema” no Executivo, com menções nominais a Barbosa. Em 15 de setembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu temporariamente diligências contra o deputado federal Ricardo Ayres (Republicanos-TO), mas o ministro Luis Roberto Barroso garantiu que as investigações contra Barbosa prosseguem ininterruptas. O habeas corpus do governador, inicialmente sob relatoria de Edson Fachin, foi transferido para Barroso após a posse deste último como presidente do STF, com julgamento previsto para esta semana pela Segunda Turma (composta por Barroso, André Mendonça, Nunes Marques, Gilmar Mendes e Dias Toffoli). Uma exoneração no Ministério Público Federal (MPF), em 25 de setembro, envolveu o assessor Felipe Alexandre Wagner, suspeito de vazar informações sigilosas para alvos tocantinenses, incluindo parentes de Barbosa.
Nota do governador afastado Wanderlei Barbosa
Em nota oficial divulgada logo após a deflagração da operação, Wanderlei Barbosa se pronunciou: “Recebo a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) com respeito às instituições, mas registro que se trata de medida precipitada, adotada quando as apurações da Operação Fames-19 ainda estão em andamento, sem conclusão definitiva sobre qualquer responsabilidade da minha parte. É importante ressaltar que o pagamento das cestas básicas, objeto da investigação, ocorreu entre 2020 e 2021, ainda na gestão anterior, quando eu exercia o cargo de vice-governador e não era ordenador de despesa. Reforço que, por minha determinação, a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) e a Controladoria-Geral do Estado (CGE) instauraram auditoria sobre os contratos mencionados e encaminharam integralmente as informações às autoridades competentes. Além dessa providência já em curso, acionarei os meios jurídicos necessários para reassumir o cargo de Governador do Tocantins, comprovar a legalidade dos meus atos e enfrentar essa injustiça, assegurando a estabilidade do Estado e a continuidade dos serviços à população”.O Republicanos, partido de Barbosa, manifestou solidariedade em nota à CNN Brasil: o governador “terá a oportunidade de apresentar os esclarecimentos necessários e provar sua inocência”.
Nota da Primeira-Dama Karynne Sotero
Karynne Sotero Campos, afastada do cargo de secretária extraordinária de Participações Sociais, divulgou: “Reitero meu respeito à decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e às instituições, ressaltando que irei dedicar-me plenamente à minha defesa, convicta de que conseguirei comprovar minha total ausência de participação nos fatos que estão sendo apontados. Desejo que tudo seja esclarecido e reestabelecido com brevidade e justiça, pelo bem do povo tocantinense, a quem dedico meu trabalho e compromisso”.
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