CARF anula multas milionárias contra Unilever e Richemont por falta de provas
Decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais reforçam a necessidade de evidências concretas para acusações de interposição fraudulenta em importações
O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) anulou multas de R$ 482 milhões impostas à Unilever e R$ 55 milhões à Richemont do Brasil, dona das marcas Cartier e Montblanc, em decisões que destacam a fragilidade de indícios apresentados pela Receita Federal em casos de suposta interposição fraudulenta.
As sentenças, proferidas pela 2ª Turma da 4ª Câmara da 3ª Seção, reforçam a exigência de provas robustas para sustentar autuações fiscais, especialmente em operações envolvendo grupos econômicos. A relatora, conselheira Mariel Orsi, enfatizou que práticas comuns entre empresas do mesmo grupo, como o rateio de despesas e a divisão de atividades, não configuram automaticamente fraude ou simulação.
Caso Unilever: indícios insuficientes para configurar fraude
No caso da Unilever, a Receita Federal acusou a Unilever Brasil Industrial de importar mercadorias que, na prática, seriam destinadas à Unilever Brasil, empresa do mesmo grupo. Segundo o Fisco, a operação visava ocultar o real comprador, prática vedada pelo Decreto 1.455/1976, com o objetivo de reduzir o pagamento de impostos. A pena prevista para essa infração é a retenção das mercadorias, mas, como isso não foi possível, a punição foi convertida em uma multa de 100% sobre o valor dos produtos, totalizando R$ 482 milhões.
A Unilever recorreu ao Carf, apresentando documentos que comprovariam a legitimidade da operação. A conselheira Mariel Orsi, em seu voto, destacou que os indícios levantados pela fiscalização, como margens de lucro discrepantes, não eram suficientes para caracterizar interposição fraudulenta. “Não vejo, dessa forma, tal apontamento feito pela fiscalização como indício da interposição fraudulenta afirmada, posto que comprovado que há possibilidade contratual — devidamente registrado, da ‘troca’ e ‘utilização’ dos funcionários inerentes às UBI e UBR para as operações que lhe são inerentes à sua atividade”, afirmou Orsi. Ela também considerou que o rateio de despesas administrativas entre empresas do mesmo grupo é uma prática legal, amplamente aceita no âmbito jurídico e econômico.
A decisão foi unânime e reflete uma análise detalhada da documentação apresentada pela Unilever, que demonstrou a transparência de suas operações. Segundo especialistas consultados pelo Valor Econômico, o julgamento reforça a importância de colegiados especializados em questões aduaneiras, como o que analisou o caso, trazendo maior precisão técnica às decisões do Carf.
Richemont: ausência de provas concretas
A Richemont do Brasil enfrentou acusações semelhantes. A Receita Federal alegou que a empresa, responsável pelas marcas de luxo Cartier e Montblanc, importava mercadorias para revendê-las à RLG do Brasil Varejo, também do mesmo grupo, por preços baixos, com o objetivo de burlar a incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). A RLG, por sua vez, revendia os produtos no varejo com margens de lucro elevadas, sem recolher o IPI proporcional, o que, segundo o Fisco, configurava uma quebra na cadeia tributária.
A multa aplicada à Richemont alcançou R$ 55 milhões, mas o Carf anulou a penalidade com base nos mesmos argumentos que beneficiaram a Unilever. Mariel Orsi reiterou que a configuração de grupo econômico não é, por si só, indício de fraude. “Não vejo como indício de fraude, exatamente porque fazem parte do mesmo grupo econômico. Tal denominação e configuração empresarial não é a representação da problemática aqui debatida, seja ela tributária ou aduaneira”, escreveu a relatora. A decisão destacou a ausência de provas inequívocas que demonstrassem a intenção de ocultar o real adquirente das mercadorias.
Contexto e relevância das decisões
As decisões do Carf em favor da Unilever e da Richemont têm implicações significativas para o mercado, especialmente para empresas que operam em grupos econômicos e realizam importações. Tributaristas ouvidos pelo site Jota apontaram que os julgamentos reforçam a necessidade de a Receita Federal apresentar evidências concretas, indo além de meros indícios, como a existência de empresas no mesmo endereço ou a administração por pessoas físicas comuns.
Além disso, as sentenças indicam uma mudança na abordagem do Carf em questões aduaneiras, com maior rigor técnico por parte dos novos colegiados especializados. Segundo o Bonetti & Associados, essa especialização pode aumentar as chances de vitória de contribuintes na Câmara Superior, última instância do Carf, onde a jurisprudência tem sido historicamente mais favorável ao Fisco.
Repercussão nas redes e no meio jurídico
Nas redes sociais, as decisões geraram debates entre profissionais do direito tributário. Um post no X, de um advogado especializado, destacou que “o Carf está sinalizando que indícios frágeis não sustentam autuações milionárias, o que é um avanço para a segurança jurídica”. Outro usuário, no entanto, questionou se a anulação das multas poderia abrir precedentes para “planejamentos tributários agressivos”. Apesar das discussões, não foram encontradas manifestações oficiais da Unilever ou da Richemont nas redes sociais sobre os casos. A Unilever informou ao Valor Econômico que não comenta processos em andamento, enquanto a Richemont não foi localizada para comentários.
No meio jurídico, a anulação das multas foi vista como um marco. O site Consultor Jurídico publicou que as decisões reforçam a distinção entre práticas legítimas de grupos econômicos e operações fraudulentas, exigindo que a Receita Federal adote uma abordagem mais fundamentada em provas.
Histórico de disputas no Carf
A Unilever já enfrentou outras disputas no Carf, nem sempre com resultados favoráveis. Em 2018, o conselho julgou ilegal uma prática de segregação de atividades entre suas empresas industrial e comercial, considerando-a um planejamento tributário abusivo. Na ocasião, a multa original de R$ 1,5 bilhão foi reduzida, mas a autuação foi parcialmente mantida. Em 2020, a empresa tentou desistir de um processo de R$ 1,4 bilhão no Carf, mas o colegiado prosseguiu com o julgamento, mantendo a cobrança. Esses casos mostram que a Unilever é alvo recorrente de fiscalizações, mas também que o Carf tem adotado posturas variadas dependendo das provas apresentadas.
A Richemont, por sua vez, não possui um histórico tão extenso de disputas públicas no Carf, mas o caso atual reforça a complexidade de operações envolvendo marcas de luxo, que frequentemente operam com margens de lucro elevadas no varejo.
Impacto para o futuro
As decisões do Carf em favor da Unilever e da Richemont podem influenciar outros casos semelhantes, especialmente aqueles que envolvem acusações de interposição fraudulenta. Para o advogado Caio César Morato, entrevistado pelo Consultor Jurídico em um caso semelhante, a transparência nas operações e a apresentação de documentação robusta são fatores decisivos para anular multas no Carf.
Além disso, os julgamentos reforçam a importância de colegiados especializados e podem pressionar a Receita Federal a aprimorar suas fiscalizações, focando em provas concretas em vez de presunções. Para empresas que operam em grupos econômicos, as decisões trazem maior segurança jurídica, desde que suas operações sejam devidamente documentadas e transparentes.
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