Brasileiros na guerra da Ucrânia: o custo humano do "turismo de guerra"
Recrutamento online atrai jovens com promessas falsas, mas leva a mortes e desaparecimentos no conflito contra a Rússia
Nos últimos meses, uma prática preocupante tem chamado a atenção de famílias brasileiras e de autoridades: o recrutamento de jovens por meio de redes sociais para lutar na guerra entre Ucrânia e Rússia. Anúncios que descrevem o conflito como o "tour mais perigoso da Europa" oferecem promessas de apoio logístico, treinamento militar e até altos salários, mas a realidade enfrentada pelos voluntários é bem diferente. Muitos são enviados diretamente ao front sem preparo adequado, enfrentando riscos extremos que já resultaram em mortes e desaparecimentos. O caso de dois brasileiros, Gabriel Pereira e Gustavo Viana Lemos, expõe a gravidade desse fenômeno conhecido como "turismo de guerra".
O caso de Gabriel Pereira
Gabriel Pereira, de 21 anos, natural de Belo Horizonte, Minas Gerais, trabalhava como cobrador de ônibus antes de ser atraído por anúncios nas redes sociais no início de 2025. Segundo sua família, ele foi convencido por promessas de suporte documental e treinamento militar, mas pagou cerca de R$ 3 mil do próprio bolso para viajar à Polônia, de onde seguiu para Kiev, capital da Ucrânia. A expectativa de um período de preparação foi frustrada: Gabriel foi enviado diretamente para zonas de combate, sem treinamento adequado ou equipamentos apropriados.
De acordo com João Victor Pereira, irmão de Gabriel, o jovem manteve segredo sobre seu destino até semanas após sua chegada à Ucrânia. O último contato com a família ocorreu em 3 de julho de 2025, quando ele informou que participaria de uma missão em Izium, uma cidade próxima à fronteira russa, e ficaria incomunicável por um mês. Dias depois, seu nome apareceu em listas de baixas divulgadas por perfis russos nas redes sociais. Um amigo que retornou ao Brasil confirmou sua morte em 17 de julho, mas a família ainda não recebeu informações oficiais do governo ucraniano, nem apoio para localizar o corpo. O contrato assinado por Gabriel previa o translado do corpo ao Brasil em até 45 dias, mas a falta de reconhecimento oficial da morte impede qualquer progresso.
Gustavo Viana Lemos e o sonho interrompido
Outro caso emblemático é o de Gustavo Viana Lemos, de 31 anos, ex-militar da Marinha do Brasil, natural de Laguna, Santa Catarina. Gustavo se alistou voluntariamente em fevereiro de 2025, movido pelo desejo de combater em uma guerra, algo que, segundo sua família, era seu "sonho". Ele também foi atraído por anúncios online e viajou com recursos próprios, desembarcando em Varsóvia antes de seguir para Kiev. Assim como Gabriel, ele foi enviado ao front sem treinamento adequado, enfrentando condições extremas.
O último contato de Gustavo com a família foi em 29 de junho de 2025, antes de uma missão que o deixaria incomunicável. No dia 21 de julho, amigos que lutavam ao seu lado informaram à família que ele havia morrido em combate, mas, até o momento, não há confirmação oficial. A mãe de Gustavo, Kátia Viana, destacou a coragem do filho, que, segundo relatos de companheiros, "ajudou muitas pessoas" durante sua atuação na Ucrânia. A família, no entanto, enfrenta dificuldades para obter informações sobre o corpo ou os pertences do jovem, e não recebeu suporte das autoridades ucranianas ou brasileiras.
A estratégia de recrutamento
A tática de aliciamento, apelidada de "turismo de guerra", utiliza plataformas como WhatsApp, Telegram e Signal para atrair voluntários, muitas vezes sem experiência militar. Os anúncios prometem salários de até R$ 25 mil por mês e um seguro de vida de até US$ 350 mil em caso de morte, além de suporte logístico e treinamento. A Ucrânia, que enfrenta uma crise de efetivo militar devido a perdas significativas e deserções, intensificou o recrutamento de estrangeiros, inspirada no modelo que atraiu cerca de dois mil colombianos nos últimos anos.
No entanto, as promessas raramente se concretizam. Voluntários são obrigados a custear suas próprias viagens e manter segredo sobre o destino, dificultando o acompanhamento por familiares. Ao chegarem à Ucrânia, muitos têm seus passaportes retidos, o que complica a identificação em caso de morte e impede a repatriação dos corpos. O Itamaraty confirmou, em 27 de julho de 2025, que nove brasileiros já morreram no conflito e 17 estão desaparecidos, números que refletem a gravidade do problema.
Reações e críticas
A prática tem gerado indignação entre familiares e especialistas. No X, posts destacam a manipulação de jovens por meio de promessas falsas, com relatos de brasileiros enviados ao front sem preparo adequado. Um exemplo é o caso de Wagner da Silva Vargas, um pedreiro paranaense que morreu em sua primeira missão após se alistar na 3ª Brigada Azov, em março de 2025.O professor Salviano Feitoza, em entrevista ao UOL, aponta que fatores como algoritmos de redes sociais, que bombardeiam jovens com conteúdos militaristas, e a busca por um "sentido heroico" na vida influenciam essas decisões. Ele critica a "engenharia do caos" que explora vulnerabilidades emocionais e sociais, levando jovens a arriscar suas vidas por causas distantes.
O Itamaraty informou que está à disposição para prestar assistência consular por meio das embaixadas em Kiev e Moscou, mas famílias relatam dificuldades em obter respostas. A ausência de apoio oficial e a retenção de documentos agravam a angústia de parentes, que cobram maior atuação das autoridades brasileiras e ucranianas.
Um alerta para o futuro
O "turismo de guerra" expõe uma faceta sombria do conflito na Ucrânia, que, desde a invasão russa em fevereiro de 2022, já causou milhares de mortes e deslocamentos. A prática de aliciamento online levanta questões sobre a responsabilidade de governos e plataformas digitais na regulação de conteúdos que incentivam jovens a se arriscarem em zonas de guerra. Para as famílias de Gabriel, Gustavo e outros brasileiros, resta a dor da perda e a luta por respostas, enquanto o conflito segue sem perspectiva de resolução.
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