Brasil enfrenta crise de segurança no trânsito e abandono de vítimas
Com 250 mil sequelas permanentes por ano, país carece de políticas públicas eficazes e amparo às vítimas de acidentes
O Brasil registra, anualmente, cerca de 250 mil vítimas de acidentes de trânsito com sequelas permanentes, conforme aponta o Estudo dos Custos de Acidentes de Trânsito no Brasil, realizado pelo Instituto de Segurança no Trânsito. Esse número, já alarmante, pode ser ainda maior devido à subnotificação de casos, um problema recorrente no país.
Segundo o relatório Global Status Report on Road Safety 2023 da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil ocupa a terceira posição no ranking mundial de mortes no trânsito, com aproximadamente 34.881 óbitos em 2024, um aumento de 2,9% em relação a 2023, conforme dados do Atlas da Violência 2025, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
Além do impacto humano, com famílias devastadas e comunidades afetadas, os acidentes de trânsito geram um custo econômico estimado em R$ 20 bilhões anuais, segundo o Mobilidade Estadão. Esses números reforçam a urgência de medidas que promovam a segurança viária e garantam assistência às vítimas, muitas das quais enfrentam longos períodos de recuperação sem qualquer suporte financeiro ou médico adequado.
Lucio Almeida, presidente do Centro de Defesa das Vítimas de Trânsito (CDVT), organização não governamental que atua em todo o país, destaca a gravidade da situação: “É urgente melhorar a educação no trânsito e adotar iniciativas eficientes para reduzir os acidentes. No entanto, há outra medida igualmente necessária: criar um mecanismo de amparo às vítimas, que muitas vezes ficam desassistidas, fragilizadas e abandonadas à própria sorte.”
Um drama pessoal em meio à estatística
A história de Josivan da Silva, de 38 anos, é um reflexo dessa realidade. Em novembro de 2024, o ajudante de obras sofreu um acidente em Mossoró, no Rio Grande do Norte, quando a carreta em que trabalhava capotou. Com múltiplas fraturas, Josivan ainda utiliza um colar cervical e depende de medicamentos para aliviar as dores constantes. Afastado do trabalho, ele enfrenta incertezas sobre o futuro: “Não sei mais se poderei voltar a fazer tudo que podia antes do acidente”, desabafa, visivelmente abalado psicologicamente.
Casos como o de Josivan são comuns em um país onde a violência no trânsito é agravada pela falta de políticas públicas eficazes. A extinção do Seguro de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre (DPVAT), em 2020, durante o governo Jair Bolsonaro, intensificou o problema. Criado em 1974, o DPVAT garantia indenizações por morte, invalidez permanente e despesas médicas, independentemente de culpa. Com sua extinção, as vítimas passaram a depender de um fundo remanescente, que não supre a demanda, deixando muitas famílias, especialmente as mais vulneráveis, sem apoio.
A luta por um novo seguro
Diante desse cenário, o CDVT tem se mobilizado para sensibilizar autoridades em Brasília sobre a necessidade de um novo seguro obrigatório. “Temos procurado apoio de deputados, senadores e ministros que compreendam a urgência dessa pauta. O Brasil tem um dos trânsitos mais violentos do mundo, e não podemos permitir que as pessoas, principalmente as mais desfavorecidas, fiquem desamparadas pelo estado”, afirma Almeida.
A proposta de criação do Seguro Obrigatório para Proteção de Vítimas de Acidentes de Trânsito (SPVAT), apresentada em 2023 pelo governo Lula, foi uma tentativa de reverter o desamparo, mas acabou revogada em dezembro de 2024, gerando críticas. Diferentemente do Brasil, países como Peru, Equador e Venezuela contam com o SOAT (Seguro Obrigatório de Acidentes de Trânsito), que cobre despesas médicas e hospitalares para vítimas, independentemente de culpa. “Seja motorista, passageiro ou pedestre, todos têm direito a um respaldo digno em caso de acidente. Não podemos tolerar esse descaso”, reforça Almeida.
Fatores de risco e a necessidade de prevenção
Os dados apontam que questões comportamentais, como desobediência às regras de trânsito (14,4%), excesso de velocidade (10%) e uso de álcool (5%), estão entre as principais causas de acidentes, segundo a Polícia Rodoviária Federal (PRF). Colisões frontais respondem por quase 40% das mortes em rodovias federais. Além disso, motociclistas são particularmente vulneráveis, representando 30% dos óbitos em 2023, com um aumento de 20% na frota de motos em estados como Minas Gerais entre 2019 e 2024.
A campanha Maio Amarelo 2025, com o tema “Desacelere. Seu bem maior é a vida”, busca conscientizar a população sobre a importância de reduzir a velocidade e adotar comportamentos mais seguros. Iniciativas como o Programa Vida no Trânsito, coordenado pelo Ministério da Saúde e pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), também trabalham na prevenção, mapeando cenários locais e promovendo ações educativas.
Um chamado à ação
Especialistas reforçam que a solução para o problema exige uma abordagem integral, envolvendo melhorias na infraestrutura viária, fiscalização rigorosa, campanhas educativas e, sobretudo, o fortalecimento de políticas de amparo às vítimas. A OPAS destaca que, na região das Américas, a taxa de mortalidade no trânsito caiu apenas 9,37% entre 2010 e 2021, um progresso lento e desigual. “A segurança viária não é apenas uma questão de infraestrutura ou legislação, é uma questão de vida ou morte para milhões de pessoas”, alerta Jarbas Barbosa, diretor da OPAS.
Enquanto o Brasil não avança na criação de um novo sistema de seguro obrigatório, vítimas como Josivan seguem enfrentando as consequências de um trânsito violento sem apoio adequado. A mobilização de entidades como o CDVT e a pressão por mudanças legislativas são passos fundamentais para garantir que o país não apenas reduza os acidentes, mas também ofereça dignidade àqueles que sofrem suas consequências.
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