Bolsonaro nega golpe e admite conversas sobre alternativas constitucionais no STF
Ex-presidente presta depoimento e pede desculpas a Moraes por insinuações de corrupção, enquanto julgamento sobre tentativa de golpe segue no Supremo
Em um depoimento aguardado no Supremo Tribunal Federal (STF) nesta terça-feira, 10 de junho de 2025, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) negou qualquer participação em uma tentativa de golpe de Estado ou em planos para prender autoridades após as eleições de 2022, vencidas por Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Durante a oitiva, conduzida pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, Bolsonaro admitiu ter discutido com auxiliares e comandantes militares alternativas “dentro da Constituição” para tentar reverter o resultado eleitoral, mas afirmou que as ideias foram descartadas por falta de apoio e viabilidade. O depoimento, parte do julgamento do chamado “núcleo crucial” da suposta trama golpista, também foi marcado por um pedido de desculpas do ex-presidente a Moraes por insinuações feitas no passado sobre corrupção no STF.
Contexto do julgamento
Bolsonaro é um dos oito réus apontados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) como integrantes do “núcleo crucial” de uma organização criminosa que teria planejado um golpe de Estado para mantê-lo no poder após a derrota nas eleições de 2022. A denúncia, aceita por unanimidade pela Primeira Turma do STF em 26 de março de 2025, inclui crimes como tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. Além de Bolsonaro, figuram como réus ex-ministros como Walter Braga Netto, Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira, todos negando as acusações.
O julgamento, que ocorre na Primeira Turma do STF, composta pelos ministros Alexandre de Moraes, Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin, já ouviu cerca de 50 testemunhas, incluindo ex-comandantes das Forças Armadas. Depoimentos de figuras como o general Marco Antônio Freire Gomes e o brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior reforçaram a tese da PGR de que Bolsonaro apresentou minutas golpistas, incluindo propostas de decretação de estado de defesa ou Garantia da Lei e da Ordem (GLO), para impedir a posse de Lula.
O depoimento de Bolsonaro
No depoimento desta terça-feira, Bolsonaro afirmou que as conversas com militares após as eleições foram “informais” e voltadas para avaliar possíveis dispositivos constitucionais, sem intenção de ruptura institucional. “As conversas eram bastante informais, não era nada proposto, ‘vamos decidir’. Era conversa informal para ver se existia alguma hipótese de um dispositivo constitucional para a gente atingir o objetivo que não foi atingido no TSE. Isso foi descartado na segunda reunião”, declarou. Ele destacou a falta de apoio para qualquer medida extrema: “Não tinha clima, não tinha base minimamente sólida para fazer coisa.”
Sobre encontros com o então comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, Bolsonaro negou que tropas tenham sido colocadas à sua disposição para um eventual golpe. “Em hipótese alguma Garnier colocou tropas à minha disposição. Se fôssemos prosseguir com um estado de sítio, as medidas seriam outras”, afirmou. Ele também negou planos para prender autoridades, como o ministro Alexandre de Moraes, e disse que as Forças Armadas nunca cumpririam ordens ilegais.
Bolsonaro abordou ainda o contexto pós-eleitoral, descrevendo o isolamento que sentiu após a derrota. “Quando você perde uma eleição, é um vazio que o senhor não imagina. A gente conhece os amigos exatamente nesse momento. Pouca gente te procura, o pessoal quer distância”, relatou. Ele mencionou que as conversas com oficiais generais, como o brigadeiro Baptista Júnior, eram “amigáveis” e visavam trocar informações sobre a conjuntura política, sem convocação formal para reuniões golpistas.
Pedido de desculpas a Moraes
Um dos momentos mais comentados do depoimento foi o pedido de desculpas de Bolsonaro ao ministro Alexandre de Moraes. Questionado sobre declarações feitas em 2022, durante uma reunião com embaixadores, nas quais insinuou que ministros do STF poderiam estar envolvidos em esquemas de corrupção, Bolsonaro recuou. “Não tem indícios nenhum, senhor ministro. Tanto é que era uma reunião para não ser gravada. Um desabafo, uma retórica que eu usei. Se fossem outros três ocupando, teria falado a mesma coisa. Então, me desculpe, não tinha qualquer intenção de acusar de qualquer desvio de conduta os senhores três”, disse, em tom conciliador.
A fala ocorreu após Moraes confrontá-lo diretamente sobre as acusações de propina, que incluíam valores como US$ 30 milhões e US$ 50 milhões. O pedido de desculpas foi visto como uma tentativa de Bolsonaro de adotar um tom menos confrontacional, contrastando com suas declarações públicas anteriores, nas quais frequentemente criticava o STF e o sistema eleitoral.
Protestos e contexto pós-eleitoral
Bolsonaro também foi questionado sobre os protestos de caminhoneiros e os acampamentos em frente a quartéis após as eleições de 2022. Ele afirmou que as discussões com comandantes militares abordavam a possibilidade de usar a GLO para conter eventuais distúrbios, mas sempre “dentro das quatro linhas” da Constituição. “Jamais saindo das quatro linhas”, reforçou. Esses protestos, que incluíam bloqueios de rodovias e pedidos por intervenção militar, foram interpretados pela PGR como parte da estratégia para pressionar as Forças Armadas a apoiar um golpe.
A PGR aponta que, desde 2021, Bolsonaro e aliados articularam um plano para descredibilizar o sistema eleitoral, intensificando ataques às urnas eletrônicas após a anulação das condenações de Lula na Operação Lava Jato. A denúncia destaca episódios como os bloqueios da Polícia Rodoviária Federal (PRF) no segundo turno das eleições, especialmente em regiões favoráveis a Lula, e o plano “Punhal Verde e Amarelo”, que teria como objetivo assassinar Lula, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes.
Reações e próximos passos
O depoimento de Bolsonaro gerou reações variadas. Em postagens no X, aliados do ex-presidente, como o perfil @NewsLiberdade, reforçaram sua narrativa de que não houve tentativa de golpe e que as discussões se limitaram a hipóteses constitucionais. “Bolsonaro diz que a ideia de golpe não foi discutida e foi descartada logo de cara”, publicou o perfil. Por outro lado, a PGR e testemunhas como Freire Gomes e Baptista Júnior sustentam que as reuniões no Palácio do Alvorada tinham cunho golpista, com minutas que previam medidas como estado de defesa e GLO para impedir a posse de Lula.
O julgamento prossegue com os depoimentos dos demais réus do “núcleo crucial” ao longo desta semana. A PGR deve apresentar novas provas, enquanto as defesas buscam questionar a validade das evidências, incluindo a delação premiada do ex-ajudante de ordens Mauro Cid. O processo pode resultar em penas de até 40 anos de prisão, caso os réus sejam condenados.
O STF mantém os interrogatórios presenciais, com transmissão ao vivo pela Rádio e TV Justiça, reforçando a transparência do processo. A decisão de Moraes de negar o pedido da defesa de Bolsonaro para suspender a ação penal indica que o julgamento seguirá em ritmo acelerado.
Impacto político
O caso tem gerado intenso debate político. O presidente Lula, em recente declaração no Japão, afirmou que Bolsonaro “tentou dar um golpe no país” e “contribuir” para seu assassinato, reforçando a gravidade das acusações. Já aliados de Bolsonaro, como o senador Hamilton Mourão, classificaram o julgamento como uma “devassa persecutória”, alegando motivações políticas. No Congresso, propostas de anistia a crimes relacionados às eleições de 2022 enfrentam resistência, especialmente após os indiciamentos e a abertura do processo no STF.
O julgamento de Bolsonaro e seus aliados é um marco na história brasileira, sendo a primeira vez que um ex-presidente eleito enfrenta acusações de crimes contra a ordem democrática estabelecida pela Constituição de 1988. O desfecho do caso pode influenciar o cenário político, especialmente com a aproximação das eleições de 2026, nas quais Bolsonaro está inelegível até 2030.
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