Bolsa Família tem impacto limitado na participação no mercado de trabalho, revela pesquisa inédita do IPEA
Análise detalhada aponta que o efeito do benefício de R$ 600 atinge principalmente grupos vulneráveis, desafiando narrativas de desestímulo generalizado ao emprego
O aumento do valor mínimo do Bolsa Família para R$ 600, implementado em agosto de 2022 sob o nome de Auxílio Brasil, gerou debates acalorados sobre seu impacto no mercado de trabalho brasileiro. Um novo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) sugere que o efeito sobre a saída de indivíduos da força de trabalho é bem menor do que algumas estimativas anteriores indicavam, concentrando-se principalmente em pessoas com inserção precária ou desempregadas de longa data. A pesquisa, conduzida pelos economistas Ricardo Campante Vale e Fábio Veras Soares, utiliza dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), para isolar o impacto específico dessa elevação no benefício.
De acordo com o levantamento, a probabilidade de participação na força de trabalho caiu entre 2,2 e 4,7 pontos percentuais entre os beneficiários já inscritos no programa quando o valor passou de R$ 400 para R$ 600. Em termos agregados, isso implicaria uma taxa de participação 0,3 ponto percentual mais alta – de 62,1% para 62,4% – no quarto trimestre de 2022, se o aumento não tivesse ocorrido. Atualmente, a taxa de participação no mercado de trabalho brasileiro está em 62,2%, cerca de um ponto percentual abaixo da média pré-pandemia, influenciada por fatores como envelhecimento populacional e a expansão dos benefícios sociais.
O contexto político da medida é relevante: o aumento ocorreu por meio da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 4/2022, apelidada de “PEC das Bondades”, “PEC Kamikaze” ou “PEC da Eleição”, aprovada a três meses do pleito presidencial de 2022. O texto, sancionado pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL), destinou R$ 41,25 bilhões em gastos adicionais, incluindo o dobro do vale-gás e auxílios mensais a taxistas e caminhoneiros autônomos. Para contornar restrições da Lei Eleitoral, invocou-se o “estado de emergência”. Essa expansão transformou o programa: de 14 milhões de famílias atendidas em 2019, com orçamento anual de R$ 35 bilhões, para 19 milhões atualmente, com R$ 170 bilhões por ano.
Os autores do estudo focaram no período de transição para capturar o efeito isolado do novo patamar de renda, comparando beneficiários com indivíduos de perfis socioeconômicos e regionais semelhantes, mas fora do programa. A PNAD Contínua, que rastreia participantes por cinco trimestres, permitiu essa análise longitudinal. Resultados adicionais mostram que o aumento não impactou a participação no mercado formal e reduziu as horas trabalhadas em apenas meia hora por semana – uma variação estatisticamente insignificante.
A literatura acadêmica sobre benefícios de transferência de renda no pré-pandemia era clara no sentido de que não existe efeitos negativos sobre a participação no mercado de trabalho ou, quando existiam, eram pequenos e concentrados em alguns grupos específico. A partir do momento em que o Bolsa Família muda de patamar de valor, essa questão volta à tona, afirma Ricardo Campante Vale, um dos pesquisadores. Ele ressalta que o debate ressurgiu devido à persistência da taxa de participação abaixo do patamar pré-pandemia, alimentando receios de um suposto “efeito preguiça” – termo que Campante classifica como preconceituoso –, em que beneficiários abandonariam empregos para depender exclusivamente do programa ou migrariam para a informalidade.
A análise por perfis revela que o impacto foi mais pronunciado entre os já desocupados (28,5% dos que saíram, contra 16,7% no total de beneficiários do Auxílio Brasil), trabalhadores domésticos sem carteira assinada (11,4% contra 9,42%) e pessoas dedicadas a cuidados domésticos (6,45% contra 4,13%). Trabalhadores com carteira assinada representaram apenas 3,9% dos que deixaram o mercado, ante 12,6% no universo total. Sociodemographicamente, mulheres foram as mais afetadas (61% contra 43%), especialmente mães de crianças de até 10 anos (38% contra 24%), assim como residentes no Nordeste (59% contra 48%) e na zona rural (34% contra 25%). Apenas cerca de 30% dos que saíram da força de trabalho após a mudança no valor do benefício trabalhavam 40 horas por semana.
O conjunto de dados sugere que o efeito final foi pequeno e focado em pessoas que já estavam à margem do mercado, com maior propensão a sair, explica Campante. Não foi algo que desincentivou pessoas que estavam 100% ativas na força de trabalho, mas aquelas que só conseguiam trabalhar por algumas horas, fazendo bicos. Não é uma competição com a carteira de trabalho.
Discussões em redes sociais e veículos de imprensa ecoam esses achados. No X (antigo Twitter), o perfil oficial do Ipea destacou em junho de 2025 que o fortalecimento do Bolsa Família foi acompanhado por aumento nas taxas de emprego formal entre os mais pobres, desafiando a tese do “efeito preguiça”.
Um post do Estadão em agosto de 2025 criticou mudanças no programa por estimularem informalidade, citando estudo do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV Ibre). Já o Metrópoles reportou em outubro de 2025 que o programa elevou em 7,4% o emprego formal de mães beneficiárias.
Outros estudos apontam variações. Daniel Duque, do FGV Ibre, estimou em 2023 uma queda de 11% na taxa de participação para recém-elegíveis, com reduções de 12% na ocupação e 13% no emprego formal. Economistas como Fábio José Ferreira da Silva e Leandro Siani Pires sugerem efeitos “não negligenciáveis” da expansão, mas notam que a taxa de participação caiu também entre não beneficiários, indicando fatores adicionais como a pandemia. Um levantamento do Ipea de dezembro de 2024, por Marcos Hecksher, reforça que o programa elevou o “preço mínimo do trabalho” dos mais pobres, incentivando rejeição a condições precárias e gerando empregos via maior demanda por bens e serviços.
Esses dados mostram emprego formal em domicílios beneficiados subindo de 12,6% em 2019 para 14,8% em 2023. Apesar do impacto modesto, os autores do estudo do Ipea propõem aprimoramentos no desenho do Bolsa Família para minimizar efeitos indesejados. Sugerem maior ênfase na proporcionalidade do benefício ao tamanho do domicílio, pois atualmente uma família com um adulto recebe quase o equivalente per capita a uma com quatro adultos e uma criança. Tal ajuste alinharia o programa de forma mais direta aos seus objetivos históricos de combate à pobreza infantil e de investimento no capital humano das futuras gerações, ao mesmo tempo em que poderia mitigar os efeitos observados sobre a oferta de trabalho, ao direcionar os recursos de forma mais eficiente para as famílias com maiores demandas de cuidado, conclui Campante.
Esses insights alimentam um debate equilibrado sobre políticas sociais e mercado de trabalho, essencial em um país com desigualdades persistentes. O estudo reforça que o Bolsa Família, ao reduzir a pobreza extrema, não compromete o crescimento econômico, mas requer monitoramento contínuo.
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Palavras-chave: Bolsa Família, Ipea, mercado de trabalho, Auxílio Brasil, taxa de participação, benefícios sociais, emprego formal, pobreza infantil, políticas públicas, PNAD Contínua.
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