Bolívia: direita lidera pesquisas para presidência após 19 anos de domínio da esquerda
Divisão no MAS e ascensão de Samuel Medina marcam eleições históricas na Bolívia
A Bolívia se prepara para as eleições gerais de 17 de agosto de 2025 com um cenário político inédito em quase duas décadas. Após 19 anos de predominância da esquerda, liderada pelo Movimento ao Socialismo (MAS), a direita surge como favorita nas pesquisas de intenção de voto, capitaneada pelo megaempresário Samuel Doria Medina. A divisão interna no MAS, agravada pelo racha entre o ex-presidente Evo Morales e o atual presidente Luis Arce, pode marcar o fim de um ciclo histórico no país andino, que faz fronteira com estados brasileiros como Acre, Rondônia, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul .
Contexto histórico: a era MAS e a crise política
O MAS, que governa a Bolívia desde 2006 sob a liderança de Evo Morales, transformou o país com políticas de inclusão social e a promulgação de uma nova Constituição em 2009, que reconheceu a plurinacionalidade das etnias indígenas bolivianas. Morales, o primeiro presidente indígena do país, foi um símbolo da chamada "maré rosa" latino-americana, um movimento de governos progressistas que marcou a região no início do século XXI .
No entanto, a crise política de 2019, desencadeada por acusações de fraude eleitoral, levou à renúncia de Morales e à ascensão interina de Jeanine Áñez, de direita, em um contexto de golpe militar. O MAS retornou ao poder em 2020 com a eleição de Luis Arce, ex-ministro da Economia de Morales, que venceu com 55% dos votos. Apesar do retorno, fissuras internas no partido começaram a emergir, culminando no racha entre Arce e Morales, que voltou do exílio e passou a criticar o governo de seu antigo aliado .
Eleições de 2025: fragmentação da esquerda
A esquerda boliviana chega às eleições de 2025 profundamente dividida. Evo Morales, impedido de concorrer pela Justiça eleitoral devido aos três mandatos já cumpridos, adotou uma postura de oposição ao governo Arce e passou a defender o voto nulo. Morales também enfrenta acusações de estupro de uma menor, que ele nega, e denuncia perseguição política. Em junho de 2025, protestos a favor de sua candidatura resultaram em bloqueios de rodovias e pelo menos quatro mortes, evidenciando a tensão política no país .
Luis Arce, por sua vez, desistiu de buscar a reeleição em meio a uma baixa popularidade, influenciada por uma crise econômica persistente. Em seu lugar, indicou Eduardo del Castillo, ex-ministro, que não ultrapassa 2% nas pesquisas. Outro nome da esquerda, Andrónico Rodríguez, presidente do Senado e ex-aliado de Morales, viu sua popularidade cair de 14% para 6% nas últimas semanas, segundo pesquisa da Unitel. Rodríguez, que deixou o MAS para se candidatar pela Alianza Popular, tem sido alvo de críticas de Morales, que o chama de "traidor" .
Eva Copa, ex-presidente do Senado pelo MAS e atual prefeita de El Alto, também tentou uma candidatura pela recém-criada legenda Morena, mas desistiu em julho, alegando que seu partido ainda não tinha maturidade nacional para a disputa .
O professor de sociologia da Universidade Federal do Ceará (UFC), Clayton Mendonça Cunha Filho, destacou à Agência Brasil que a insistência de Morales em se colocar como única liderança viável do MAS acabou por implodir o partido. "Na ambição de ser o candidato eterno, Evo Morales implodiu o partido. O MAS é uma legenda heterogênea, um grande agrupamento de tendências, e essa frente ampla foi destruída", afirmou .
Direita em ascensão: Samuel Medina e Tuto Quiroga
Com a fragmentação da esquerda, a direita ganha terreno. Samuel Doria Medina, da Alianza Unidad, lidera as pesquisas com ampla vantagem, seguido por Jorge "Tuto" Quiroga, da Alianza Libertad y Democracia. Juntos, os dois candidatos somam cerca de 47% das intenções de voto, segundo levantamento do jornal El Deber publicado em 3 de agosto de 2025. Caso nenhum candidato alcance 50% mais um voto ou 40% com uma diferença de 10 pontos percentuais para o segundo colocado, a Bolívia terá um segundo turno inédito em 19 de outubro .
Samuel Medina, um dos maiores empresários do país, já concorreu à presidência duas vezes, ficando em segundo lugar em 2014. Nos anos 1990, foi ministro de Estado e liderou uma onda de privatizações, migrando de posições de centro-esquerda para centro-direita ao longo de sua carreira. Sua experiência empresarial e política o posiciona como um candidato de peso em um momento de crise econômica .
Tuto Quiroga, por outro lado, é um político tradicional da direita boliviana. Foi ministro da Fazenda em 1992, vice-presidente em 1997 e assumiu a presidência entre 2001 e 2002 após a renúncia de Hugo Banzer por problemas de saúde. Em 2005, perdeu para Morales, ficando em segundo lugar, e em 2019 atuou como porta-voz internacional do governo interino de Áñez .
De acordo com Clayton Mendonça Cunha Filho, ambos representam uma direita tradicional, sem características de extrema-direita, mas sua ascensão representa um teste para o modelo de Estado Plurinacional instituído em 2009. "Será a primeira vez que um presidente eleito sob esse modelo não participou de sua construção. Resta saber o que tentarão modificar nesse arranjo institucional", ponderou o especialista .
Impactos regionais e internacionais
A possível vitória da direita na Bolívia pode ter reflexos na América Latina, especialmente em países vizinhos como o Brasil. A Bolívia é um importante fornecedor de gás natural para o Brasil, e mudanças na política econômica e nas relações internacionais do país podem impactar acordos comerciais. Além disso, a fronteira compartilhada com estados brasileiros torna a estabilidade política boliviana uma questão de interesse estratégico para o governo brasileiro .
Desafios para o futuro governo
Independentemente de quem vença, o próximo governo enfrentará desafios significativos. A crise econômica, marcada por inflação e escassez de divisas, tem afetado a popularidade de Arce e alimentado o descontentamento popular. Além disso, o sistema eleitoral boliviano, que vincula a eleição de deputados e senadores ao voto presidencial, pode resultar em um parlamento fragmentado, dificultando a governabilidade .
Para o professor Cunha Filho, a fragmentação política sugere que o novo governo precisará compor alianças para governar, o que pode limitar mudanças radicais no modelo constitucional de 2009. "Sendo otimista, isso pode consolidar o modelo plurinacional, desvinculando-o de um único projeto de governo", comentou .
As eleições de 2025 na Bolívia representam um momento crucial para o país. Com a esquerda dividida e a direita liderando as pesquisas, o futuro do Estado Plurinacional e das conquistas sociais dos últimos 19 anos está em jogo. Samuel Doria Medina surge como favorito, mas a possibilidade de um segundo turno mantém a disputa aberta. Enquanto isso, a população boliviana, de cerca de 12 milhões de habitantes, observa atenta a um processo que pode redefinir os rumos da nação.
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