Após dois meses de atraso, Tartarugas-da-Amazônia desovam no Vale do Guaporé e acendem alerta para o futuro da biodiversidade
Um ciclo de vida que resiste às mudanças Climáticas: Equipes de proteção se mobilizam na fronteira Brasil-Bolívia
O dia amanhece lento no seio do Vale do Guaporé. O sol se abre sobre as águas e o calor começa a desenhar sombras de vida na areia. A natureza, aqui, não se apressa e as tartarugas-da-Amazônia sabem disso. Após semanas de espera, de silêncios e de noites vazias, o ciclo enfim se cumpre: tem início a desova. Não com o espetáculo apressado que o homem espera, mas com o compasso antigo e natural que só o rio entende.
Durante vários dias, a equipe de reportagem da Assembleia Legislativa de Rondônia (Alero), a pedido da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, acompanhou o início da temporada de desova no Vale do Guaporé. O cenário que se vê é de alívio, mas também de atenção.
Nas primeiras semanas, as fêmeas começaram a subir em número menor que o esperado, retomando o ciclo reprodutivo depois de mais de dois meses de atraso – especificamente mais de 70 dias, marcando o segundo ano consecutivo de irregularidades, algo inédito em mais de duas décadas. Foi um começo diferente, discreto, quase tímido. Mas foi o sinal de esperança necessário. Pois na semana seguinte, a natureza, enfim, tocou o despertador, levando as tartarugas a finalizarem o ciclo de desova.
O que se observa agora são as praias invadidas por elas, inclusive aquelas que nunca haviam sido utilizadas pelos quelônios. A desova está oficialmente em curso desde o início de outubro de 2025, espalhando ninhos por toda a extensão do Rio Guaporé, em uma demonstração silenciosa de resistência e continuidade. O ritual se desenrola em sete praias principais, cinco no lado brasileiro – em Costa Marques e São Francisco do Guaporé – e duas no lado boliviano, consolidando a região como o maior berçário de quelônios do Brasil e um dos maiores do mundo.
A espécie em foco, Podocnemis expansa, é o maior quelônio de água doce da América do Sul e um símbolo da biodiversidade amazônica, desempenhando papéis cruciais na dispersão de nutrientes, controle de vegetação aquática e alimentação de outras espécies na cadeia ecológica do rio.
Durante o dia, elas aparecem em bandos, descansam às margens do rio, sobre as praias que se formam com o nível da água baixando. Elas levantam a cabeça como quem fareja o vento. Parecem ensaiar o momento certo. Quando a lua surge e a beira se cobre de prata, algumas sobem devagar, arrastando o corpo pesado, abrindo o caminho e construindo o ninho com as pequenas patas. Outras observam de longe, como se o instinto ainda medisse o tempo.
E assim, no Vale do Guaporé, na fronteira com a Bolívia, o fenômeno que antes preocupava – atraso na desova – cede lugar à satisfação de ver as tartarugas-da-Amazônia, mais uma vez, seguindo o ciclo da vida. Para José Soares Neto, conhecido como Zeca Lula, um dos fundadores da Associação Comunitária e Ecológica do Vale do Guaporé (Ecovale), o atraso deste ano não é ruptura, é adaptação. “O rio encheu mais tarde, o calor se espalhou diferente, as chuvas se confundiram com o verão, além de vários outros motivos que atrasaram por mais de 70 dias o início da desova das tartarugas. Estamos em alerta para ver como vai ser o comportamento este ano, pois com esse atraso, na época do nascimento das tartarugas, o rio já vai estar mais elevado”, disse.
Esse comportamento só pode ser verificado com a observação. As fêmeas, sábias e pacientes, esperam o toque exato da natureza antes de iniciar a jornada. Porque o tempo da Amazônia não se mede em calendário, se mede em sinais. E os sinais chegaram.
Especialistas apontam que as causas do atraso incluem chuvas fora de época, fumaça densa das queimadas que bloqueia a luz solar e altera a temperatura da areia – essencial para répteis pecilotérmicos como as tartarugas, que dependem do calor externo para regular o metabolismo e estimular a ovulação – além de elevação irregular do nível do rio e caça predatória.
Em 2024, o atraso de 53 dias resultou em mortalidade superior a 60% dos filhotes, com apenas cerca de 350 mil sobreviventes chegando ao rio, contra 1,4 milhão em 2023 e 12 milhões em 2022 – uma queda de quase 88% em um ano.
Para 2025, estima-se mais de 33 mil ninhos bem-sucedidos, mas o número exato de nascimentos permanece incerto, com risco de perdas semelhantes devido ao “repiquete” das chuvas, que inunda praias antes da eclosão.
A rede de proteção
Entre uma noite e outra, pesquisadores, biólogos, ribeirinhos e voluntários percorrem e vigiam as praias. As lanternas recortam o breu, revelando o vai e vem das fêmeas. Algumas já deixaram ninhos recém-feitos. Outras apenas sondam a areia, como se o corpo ainda buscasse a temperatura certa para entregar os ovos à terra. Zeca Lula lembra que já viu muitas temporadas começarem assim, em silêncio e, de repente, a praia fica tomada por cada uma delas. “É o jeito delas... Quando o tempo muda, elas mudam junto. Mas sempre voltam. Sempre. Só temos que esperar para ver como vai ser o nascimento e cada um fazer a sua parte”, afirma.
O trabalho de proteção do qual o ambientalista faz parte começa muito antes da desova e segue até o nascimento dos filhotes. O período de incubação dos ovos dura cerca de dois meses, tempo em que o calor da areia garante o desenvolvimento dos embriões. Porém, neste ano, o atraso na postura trará um desafio extra: quando os filhotes nascerem, o rio já estará mais cheio e a areia mais compacta, o que pode dificultar a saída das pequenas tartarugas em direção à água. Por isso, os ambientalistas e órgãos de fiscalização já se mobilizam para formar novas frentes de apoio voluntário durante a fase de nascimento.
Será necessário reforçar o número de pessoas para acompanhar o processo e ajudar as tartarugas a romper a superfície, permitindo que sigam seu ciclo natural rumo ao rio. “A gente não vem só olhar, vem cuidar. Esse processo todo da desova das tartarugas, o período de maturação dos ovos e depois, no momento da eclosão, a gente precisava de muito mais gente para conseguir fazer ser bem efetivo. Ainda mais pelo que aconteceu ano passado e que a gente sabe que vai acontecer esse ano. Morreu demais! Todo mundo ficou com muita dó do que tava acontecendo, mas não conseguia fazer mais”, enfatizou o biólogo Deyvid Muller.
O trabalho é conjunto e envolve a Ecovale, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), a Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental (Sedam), a Polícia Militar Ambiental, empresas parceiras e dezenas de voluntários. São homens e mulheres que dormem pouco e falam baixo, para não assustar as mães. Carregam nas mãos e nos olhos o brilho de quem entende o valor do silêncio da natureza. Eles são as vozes das margens. São sábios que decifram o tempo pelas nuvens, pelo cheiro da água, pelo canto das aves. E é por isso que entendem que o ciclo segue vivo e que necessita de atenção, mesmo quando a ação humana resulta em impactos ao ritmo natural da floresta.
Áquilas Mascarenhas, analista ambiental do Ibama no Programa Quelônios da Amazônia (PQA), reforça: “O ciclo reprodutivo das tartarugas está intimamente ligado ao equilíbrio dos ecossistemas aquáticos amazônicos. Elas contribuem para a dispersão de nutrientes, controle biológico de vegetação aquática e alimentação de outras espécies. Qualquer alteração prolongada nesse ciclo pode gerar impactos na cadeia alimentar e na dinâmica ecológica do rio Guaporé”. Ele destaca que a conservação é um dever coletivo, envolvendo poder público, comunidades locais e sociedade.
A atuação da Comissão
Atenta a esse cenário, a Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Assembleia Legislativa de Rondônia tem acompanhado as transformações ambientais que afetam o Vale do Guaporé e outros ecossistemas do estado. Neste ano, a Comissão concentrou esforços na atualização do Zoneamento Socioeconômico e Ecológico de Rondônia, instrumento essencial para planejar o uso sustentável do território, conciliando o desenvolvimento econômico com a preservação ambiental. Além disso, o zoneamento define as áreas de proteção, manejo e recuperação, e sua atualização tem impacto direto na conservação de regiões como o Guaporé, onde o equilíbrio climático e a proteção das nascentes influenciam diretamente no ciclo das tartarugas-da-Amazônia.
O presidente da Comissão, deputado Ismael Crispin (Sem Partido), destaca que o zoneamento é uma ferramenta indispensável para garantir que Rondônia continue crescendo de forma responsável, sem comprometer o patrimônio natural que sustenta o estado. “O zoneamento é mais que um mapa técnico, é um instrumento de equilíbrio entre o homem e a natureza. Ele mostra até onde podemos avançar e onde precisamos preservar. Quando olhamos para o Vale do Guaporé e vemos as tartarugas desovando, entendemos que proteger esse ciclo é também proteger o futuro de Rondônia”, defendeu o parlamentar.
A Comissão também acompanha ações de monitoramento e fiscalização, além de apoiar iniciativas de educação ambiental e turismo sustentável em comunidades ribeirinhas. Medidas essas que reforçam o compromisso da Assembleia Legislativa com políticas públicas que assegurem a sobrevivência das espécies e a valorização dos recursos naturais do estado, aliando proteção ambiental e desenvolvimento sustentável.
Zeca Lula complementa a preocupação com o ano atual: “Talvez em 2025 tenhamos um número menor do que 2024. A desova deste ano iniciou de forma pequena e não contínua, como geralmente costuma ser, e isso é muito preocupante”.
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