A interpretação dos Ministros do STF Sobre o inquérito das Fake News
Por Ives Gandra Martins
Neste artigo divergirei da interpretação de alguns Ministros do Supremo Tribunal Federal acerca do inquérito das fake news, razão pela qual faço um primeiro esclarecimento. Tenho grande admiração por todos os Ministros da Suprema Corte e admiro-os como juristas. Tenho livros escritos com a maioria deles, participei de bancas de doutorado com alguns e de palestras com quase todos, ao longo destes sessenta anos de magistério universitário.
Por outro lado, acompanhei os vinte meses de trabalhos da Constituinte, participei de audiências públicas e mantive contato permanente com o relator Senador Bernardo Cabral. Desse modo, como velho professor, entendo que posso divergir, pois convivi com os constituintes durante todo aquele período. Além disso, analisei a Constituição brasileira com o professor Celso Bastos, saudoso amigo, em 15 volumes e mais de 10 mil páginas, ao longo de 10 anos, logo após a promulgação da Carta Magna.
Feitos esses esclarecimentos sobre o respeito que tenho pelos Ministros, mesmo diante de divergências, passo à segunda consideração sobre o previsto na Constituição, que vi e discuti com Bernardo Cabral e com Ulisses Guimarães, o qual chegou a assistir palestra minha sobre o parlamentarismo, tese que adotou até a Comissão de Sistematização. Roberto Cardoso Alves, todavia, liderando grupo de parlamentares, derrubou-a no Plenário.
Há determinadas disposições na Constituição que, entretanto, refletem a tendência parlamentarista. A primeira delas está na competência do Congresso Nacional, previsto em primeiro lugar, no mais longo título da Constituição, que vai dos artigos 44 a 135, ou seja, o da Organização dos Poderes. Isso porque, como disse recentemente o Ministro Luiz Fux, o Congresso é o Poder mais importante da República, pois é o único que representa o povo por inteiro.
De fato, no Congresso há situação e oposição. Os constituintes, que saíam de um regime de exceção, queriam harmonia e independência entre os Poderes e, para tanto, descreveram suas competências exaustivamente, começando com o Poder Legislativo. O Poder Executivo, que comanda a administração, aparece em segundo lugar, pois representa a maioria da população e, quando há segundo turno, nem a maioria.
Pelo artigo 1º da Lei Suprema, há uma única soberania: a do povo. Essa soberania do povo é exercida por representantes por ele escolhidos, o que não ocorre no Poder Judiciário. Este vem, portanto, em terceiro lugar para fazer respeitar a lei, que não elabora porque só o Congresso Nacional pode fazê-lo, bem como o Poder Executivo, com o aval do Legislativo, por meio das medidas provisórias e das leis delegadas.
Por essa razão, o constituinte prevê no inciso XI do artigo 49, que “é da competência exclusiva do Congresso Nacional zelar pela preservação de sua competência normativa em face da atribuição normativa de outros Poderes”.
Vale dizer, não pode permitir que outros Poderes avancem em sua competência normativa. Em face disto, é que entendo que as duas PECs, em discussão hoje no Congresso Nacional, são de extrema importância por serem explicitadoras da norma constitucional; não inovadoras.
Pela PEC 28/2023, por exemplo, decisões que deferirem determinadas medidas cautelares terão que ser referendadas pelo colegiado. É uma explicitação do artigo 97 da Lei Suprema, segundo o qual a lei ou ato normativo só pode ser declarado inconstitucional - de rigor, toda a matéria no STF é sobre constitucionalidade - por maioria absoluta.
A outra explicitação é a da PEC 50/2023, segundo a qual, sempre que houver invasão, por parte do Judiciário, da competência legislativa do Congresso Nacional, a este caberá, por dois terços de seus integrantes, preservar a sua competência exclusiva de legislar, sustando a eficácia da decisão judicial, conforme já previsto no artigo 49, inciso XI, mas sem que tivesse o Constituinte definido o procedimento para tal preservação.
São, portanto, duas PECs explicitadoras de um poder que o constituinte já tinha dado ao Congresso Nacional desde 5 de outubro de 1988.
Há mais um aspecto que me parece importante, antes de entrar no tema das fake news.
O artigo 103, § 2º da Constituição, diz o seguinte: “Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.”.
Como se vê, para o Executivo é dado o prazo de 30 dias, mas nenhum prazo é estabelecido para o Congresso Nacional elaborar a lei nas ações diretas de inconstitucionalidade por omissão.
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