A BR-319 e a luta pelo desenvolvimento sustentável: Uma reivindicação antiga de Amazonas e Rondônia
Desenvolvimento versus Preservação: O debate em torno da pavimentação da BR-319
Na última terça-feira, 27 de maio de 2025, a Comissão de Infraestrutura do Senado foi palco de um confronto acalorado entre o senador Omar Aziz (PSD-AM) e a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, durante uma audiência que discutiu a pavimentação da BR-319, rodovia que liga Manaus (AM) a Porto Velho (RO).
Aziz, defensor histórico da obra, acusou Marina de travar o desenvolvimento do Amazonas ao atrasar licenciamentos ambientais, atribuindo a ela até mesmo as mortes por falta de oxigênio durante a pandemia de Covid-19 devido à precariedade da estrada. “A senhora atrapalha o desenvolvimento do país”, disparou o senador, exigindo o direito dos amazonenses de “passear na BR-319” como Marina “passeia na Avenida Paulista”.
Em resposta, Marina se defendeu, afirmando ser um “bode expiatório” na discussão, destacando que a obra não avançou em 15 anos, incluindo governos anteriores, e defendendo a necessidade de uma Avaliação Ambiental Estratégica para evitar desmatamento e grilagem. O embate, que culminou com a saída de Marina após ofensas de outros senadores, expôs a tensão entre a demanda histórica por infraestrutura e os desafios ambientais da BR-319, que prometem moldar o futuro da Amazônia
Resumo
A pavimentação da BR-319 é uma demanda antiga de Amazonas e Rondônia, mas envolve controvérsias entre desenvolvimento e meio ambiente.
A rodovia, construída nos anos 1970, foi abandonada em 1988 e agora enfrenta barreiras ambientais e de licenciamento.
O senador Omar Aziz criticou Marina Silva por atrasos, enquanto ela defende estudos ambientais rigorosos.
A pavimentação pode impulsionar a economia, mas há riscos de desmatamento e impactos em terras indígenas.
É essencial um planejamento responsável para equilibrar progresso e sustentabilidade.A rodovia BR-319, que liga Manaus, no Amazonas, a Porto Velho, em Rondônia, é mais do que uma estrada: é um símbolo de conexão, desenvolvimento e, ao mesmo tempo, uma fonte de intensos debates sobre sustentabilidade ambiental.
Construída na década de 1970, a rodovia enfrenta há décadas desafios relacionados à sua manutenção, pavimentação e licenciamento ambiental, culminando em embates políticos. A tensão reflete uma pauta reivindicatória antiga das populações de Amazonas e Rondônia, que veem na rodovia uma esperança de integração e progresso econômico, mas também expõe os conflitos entre desenvolvimento e preservação ambiental.
Histórico da BR-319: Uma estrada de promessas e abandono
Inaugurada em 1976, durante o regime militar, a BR-319 foi concebida para conectar o coração da Amazônia ao sul do país, ligando Manaus, capital do Amazonas, a Porto Velho, capital de Rondônia, em um trajeto de aproximadamente 885,9 km. Na época, a rodovia foi pavimentada, mas sem os estudos ambientais exigidos hoje, o que reflete o contexto de desenvolvimento acelerado promovido pelo governo militar. No entanto, a falta de manutenção e as condições adversas da região amazônica levaram ao abandono da estrada em 1988, quando grande parte do asfalto se deteriorou, tornando-a praticamente intransitável, especialmente na estação chuvosa.
A partir de 2005, o interesse pela recuperação da BR-319 ressurgiu. Em 2015, durante o governo de Dilma Rousseff, foi iniciado um programa de manutenção para tornar a rodovia novamente transitável, embora sem pavimentação total. Desde então, sucessivos governos tentaram avançar com a reconstrução de um trecho de 406 km que corta áreas de floresta primária, mas esbarraram em barreiras ambientais e de licenciamento.
A rodovia, hoje, é parcialmente transitável na estação seca, mas o trecho central, conhecido como “trecho do meio”, permanece em condições precárias, dificultando o transporte de bens e pessoas. A pressão pela pavimentação vem de políticos, empresários e moradores locais, que argumentam que a rodovia é essencial para reduzir o isolamento do Amazonas e de Roraima, estados que dependem fortemente do transporte fluvial pelo rio Madeira, impactado por secas severas, como as recentes causadas por mudanças climáticas e o fenômeno El Niño.
Embaraços ambientais e de licenciamento
A reconstrução da BR-319 enfrenta significativos obstáculos ambientais e de licenciamento, que alimentam o embate entre defensores do desenvolvimento e ambientalistas. A rodovia atravessa uma das áreas mais preservadas da Amazônia, conectando a região relativamente intacta do Amazonas central ao chamado “arco de desmatamento” na região AMACRO (Amazonas, Acre e Rondônia), um hotspot de desmatamento. Estudos indicam que a pavimentação pode aumentar o desmatamento em até 1.200% até 2100, impulsionando atividades como extração ilegal de madeira, mineração e grilagem de terras.
O principal entrave é a exigência de um Estudo de Impacto Ambiental (EIA) robusto. Em 2009, um EIA apresentado foi rejeitado pelo IBAMA por ser considerado inadequado. Um segundo estudo, submetido em 2020, está sob análise, mas enfrenta críticas por focar apenas na faixa de domínio da rodovia, ignorando os impactos indiretos, como a abertura de ramais ilegais e a migração de agentes do desmatamento para áreas antes protegidas.
Além disso, a BR-319 afeta diretamente terras indígenas e comunidades tradicionais. A ausência de consulta prévia aos povos indígenas, conforme exigido pela Convenção 169 da OIT, é uma irregularidade recorrente. A rodovia passa próximo a territórios como a Terra Indígena Karipuna, que já sofre com invasões e desmatamento.
A rodovia também está associada a projetos como a AM-366, uma estrada estadual planejada que conectaria a BR-319 a áreas como Tapauá e Tefé, ampliando o acesso a regiões de floresta intocada, como a região Trans-Purus, rica em terras públicas não destinadas, alvos de grileiros. Esses projetos são vistos como parte de um plano maior de ocupação da Amazônia, intensificando os impactos ambientais.
A pressão política para flexibilizar o licenciamento ambiental ganhou força com a aprovação, em 21 de maio de 2025, de um projeto no Senado que elimina a exigência de licenciamento para obras de manutenção em infraestruturas existentes, como a BR-319. A proposta, apoiada por Omar Aziz, Eduardo Braga e Plínio Valério, ainda precisa passar pela Câmara dos Deputados, mas é vista como uma vitória pelos defensores da pavimentação.
O Embate no Senado: Omar Aziz x Marina Silva
O ápice dos conflitos em torno da BR-319 ocorreu na audiência de 27 de maio de 2025, no Senado, quando o senador Omar Aziz confrontou a ministra Marina Silva. Aziz, defensor histórico da pavimentação, acusou Marina de “atrapalhar o desenvolvimento do país” e de ser responsável pelo isolamento do Amazonas, especialmente em meio à seca que compromete o transporte fluvial no rio Madeira. “Se Brasília tivesse que ser construída hoje, o Juscelino Kubitschek levaria 100 anos, porque, se um calango estivesse lá, o IBAMA não permitiria”, disparou o senador, criticando o que considera excesso de burocracia ambiental.
Marina, por sua vez, defendeu a necessidade de estudos técnicos sólidos antes da pavimentação, argumentando que a rodovia, sem medidas de governança, pode desencadear uma “crise climática em cadeia”. A ministra deixou a sessão após trocas de farpas, incluindo uma acusação de que o senador Plínio Valério teria incitado violência contra ela. “Eu não fui convidada por ser mulher”, declarou Marina ao se retirar.
Esse embate reflete uma tensão recorrente na trajetória de Marina Silva. Durante o primeiro governo Lula, ela foi demitida em 2008 do Ministério do Meio Ambiente por sua postura considerada linha-dura em relação aos licenciamentos das usinas hidrelétricas do Madeira (Santo Antônio e Jirau).
Substituída por Carlos Minc, Marina enfrentou acusações de obstruir o desenvolvimento. Agora, no governo Lula 3, ela volta a ser alvo de críticas semelhantes, sendo acusada por políticos e setores econômicos de priorizar a preservação ambiental em detrimento do progresso regional.
A necessidade de uma pavimentação responsável
A pavimentação da BR-319 tem o potencial de alavancar o desenvolvimento de Amazonas e Rondônia, mas precisa ser feita com responsabilidade. Medidas como a implementação de corredores ecológicos, pontes verdes para a fauna e um plano robusto de governança ambiental são essenciais para mitigar os impactos. O exemplo da BR-163 (Santarém-Cuiabá), que se tornou um hotspot de desmatamento apesar de promessas de sustentabilidade, serve como alerta.
O presidente Lula, que prometeu avançar com a reconstrução até 2026, reconheceu a necessidade de evitar desmatamento e grilagem ao longo da rodovia. No entanto, a pressão política e a recente flexibilização do licenciamento ambiental no Senado levantam dúvidas sobre a viabilidade de um projeto sustentável.
A BR-319 é um divisor de águas para a Amazônia. Se mal planejada, pode ser, como alertou Fearnside, uma “estrada para o colapso” da floresta. Se bem executada, com governança sólida e respeito aos povos indígenas e ao meio ambiente, pode ser um vetor de desenvolvimento inclusivo, atendendo às aspirações históricas das populações locais sem comprometer o futuro do planeta.
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